VIGIADO POR EXTRATERRESTRES

Arlindo Monteiro de Carvalho Junior


 

A prática do consultório é uma arte. Com o excesso de conteúdo e de informação atualmente circulantes, pouco dessa arte se aprende nas escolas, o grosso vem mesmo da labuta diária, da escuta atenta e da interação com o paciente. Nos dias atuais, em que a falta de tempo e o excesso de tecnologia imperam, menos qualificado se torna esse atendimento, que geralmente é rápido e peca pela falta de atenção e empatia. Assim, na contramão da modernidade, Dr. Monteiro, urologista perspicaz com mais de vinte anos de experiência, conhecido por seus diagnósticos acertados e pela boa conversa com seus pacientes, cultiva volumosa freguesia nas terras da Paraíba.

Certo dia, como fazia quase todas as tardes, tocava seu consultório situado em bairro nobre de João Pessoa, capital paraibana. Sala de espera movimentada, numa mistura da sua clientela fiel, de muitos anos, e dos novos pacientes, captados pelo eficiente boca-boca amplificador da fama adquirida pelo esculápio. De tão cheia, alguns permaneciam em pé por horas, aguardando sua vez na busca do alento para suas mazelas de saúde. Sim, homens têm muitos problemas e, quanto mais velhos, maiores e mais numerosos os são estes problemas. O organismo não é mais o mesmo e o funcionamento geral precisa de manutenção periódica. Eis que adentra um homem de meia idade, por volta dos cinquenta e poucos, boa aparência, vestindo calca de brim e camisa polo vermelha, óculos, cabelos cortados e barba feita, para o qual Dr. Monteiro logo se dirige, como de costume, com sua clássica pergunta:

– Pois não seu fulano, em que posso ajudá-lo?”

E o homem começou a narrar sua história sem muito arrodeio. Disse-lhe em tom franco, direto e eivado de certeza:

– Estou com um chip nos testículos, eles puseram para me vigiar, foi quando eu estava dormindo, eram dois e vieram em uma espaçonave, preciso que me ajude.

Ora, de pronto o médico, surpreso, mas sempre atento, o escaneou pelos olhos em busca de alguma logica no que dissera. Percebeu logo se tratar de algum problema mental, uma psicopatia, quem sabe uma esquizofrenia, não adiantaria contrariá-lo, muito menos confrontá-lo, talvez fosse pior. Como engatar um dialogo a partir dessa estranha queixa, exposta tão firmemente pelo atordoado e intrigante paciente?

Para ganhar tempo e cultivar confiança, resolveu examiná-lo. Afinal, se existisse algum chip, haveria de achá-lo, disse ao paciente. Apressado, o homem subiu na maca para demonstrar o local em que “os de fora” lhe aplicaram o dispositivo de vigilância. O exame físico, como esperado, foi normal. Não havia alterações em seus testículos, ao que franziu a testa o examinado, seguro de sua razão e decepcionado pela sentença. Percebendo o descontentamento do paciente, o doutor lhe propôs completar a análise através de um ultrassom da bolsa escrotal, poderia ser que o chip estivesse mais interno, ao que satisfeito, concordou imediatamente o paciente, exibindo num tímido sorriso a esperança de que o artefato seria descoberto. E assim o exame foi solicitado, com a recomendação de que retornasse assim que houvesse resultado, para que fossem tomadas as providências necessárias.

Quinze dias depois, retorna o paciente. Pelo nome, o médico logo o reconheceu, lembrando-se, quase que instantaneamente, de sua queixa inusitada.

– Como vai seu fulano, o senhor fez aquele exame de ultrassom que lhe pedi em nosso ultimo encontro?

Ele respondeu que sim, abrindo a pasta que carregava e entregando o envelope com o resultado nas mãos do doutor ao mesmo tempo em que, com a mesma franqueza demonstrada por ocasião do primeiro atendimento, e na certeza de suas convicções, soltou:

– O senhor não vai acreditar, não sei como, mas eles souberam que eu iria fazer esse exame, então vieram na noite anterior e retiraram o chip para que não fosse descoberto.

Dr. Monteiro aquela atura já abria o lacre do envelope com o resultado do exame, que obviamente se mostraria normal e, no embalo da conversa, sentenciou com a mesma segurança e convicção:

– Bom, se eles vieram e o retiraram, o seu problema foi resolvido e não será necessária nenhuma cirurgia, vamos ficar de olho, se voltar a acontecer, retorne para resolvermos.

E o paciente, agradecido, foi dispensado com um sorriso e um forte aperto de mão. Era mais um cliente satisfeito pela atenção, a escuta e o excelente atendimento.

– Conte sempre comigo.

Fechou a porta ainda pensativo o experiente médico. Afinal, na medicina, por mais tempo de labuta que se tenha, cada paciente novo, inclusive o próximo que ele chamaria em breve, é a chance para mais uma bela e desafiante jornada.

Dr. Arlindo Monteiro de Carvalho Junior
Médico Urologista

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