Por Roberto Magliano de Morais
Presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba (CRM-PB)

Com o recrudescimento dos casos de Covid-19 e a iminência da liberação das vacinas pelas agências reguladoras, o país vem sendo tomado pelo debate acerca da obrigatoriedade de sua aplicação na população.

Pesquisa DataFolha, recentemente divulgada, mostrou que 22% dos brasileiros disseram que não pretendem se vacinar contra a Covid-19. O Instituto Paraná Pesquisas revelou que mais da metade dos entrevistados (52%) não querem vacinação obrigatória.

A controvérsia sobre a autonomia de pacientes para a recusa de vacinação é anterior aos tempos atuais. Edward Jenner, médico e cientista inglês, pioneiro na utilização de vacina contra varíola, enfrentou desconfiança sobre a utilidade e segurança de sua descoberta, mesmo após experimentos humanos de resultados surpreendentes.

Em 1904, o Rio de Janeiro viveu a Revolta da Vacina, marcada por conflitos e protestos populares. A principal causa foi a campanha de vacinação compulsória contra a varíola, coordenada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. A maioria da população era pobre e não tinha informações sobre como funcionavam as vacinas. A revolta não era contra a imunização em si, mas contra a sua imposição.

Além disso, o excesso de informação fragmentada na era digital, tem contribuído, paradoxalmente, para confundir e turvar a discussão sobre o tema. Nessa perspectiva, para exercer o direito de recusar a vacina seria oportuno entender um pouco mais sobre a questão.

A função da vacina é estimular uma resposta imunológica do organismo, que passa a produzir anticorpos sem ter contraído a doença. Como ela evita a transmissão comunitária de doenças infecciosas, a sua recusa expõe a população ao risco de contaminação e prejudica a saúde pública.                                         
                         

É relevante esclarecer a diferença entre recusa terapêutica e recusa vacinal. A recusa terapêutica, regulamentada pela Resolução no 2.232/2019 do Conselho Federal de Medicina, ocorre quando um cidadão lúcido, orientado e consciente se nega a receber tratamento que pode propiciar sua cura, desde que não haja risco para a saúde de terceiros. É decisão estritamente autônoma, com suporte em informações esclarecedoras e livres, daí chamá-la de termo de consentimento livre e esclarecido.

Além disso, enquanto na recusa terapêutica as informações contidas no termo de consentimento livre e esclarecido reforçam a autonomia do paciente, na recusa vacinal invariavelmente prepondera a desinformação que se amplia notoriamente diante da disseminação de fake news.

Assim, diferentemente da recusa terapêutica, verdadeira conquista no direito de pacientes, a recusa vacinal representa um problema sanitário que interfere no direito fundamental à saúde da comunidade.

Uma outra questão a esclarecer seria qual o limite entre imposições estatais e a autonomia individual, e qual a distinção sobre o que é obrigatório e o que é compulsório no que concerne à saúde pública.

No entendimento de Mérces da Silva Nunes: “o limite da autonomia individual, em relação à vacinação obrigatória, é a Constituição Federal que em seu artigo 5o, inciso II dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e o inciso VIII, assegura que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei.”

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o Estado pode determinar a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid-19. Porém, fica proibido o uso da força para exigir a vacinação, ainda que possam ser aplicadas restrições a direitos de quem recusar a imunização.

Para o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, “enquanto na vacinação forçada há violação da integridade física da pessoa humana, inclusive, por meio de violência pelo Estado; na vacinação compulsória há a restrição ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de determinados lugares”.    

Essa importante decisão, ressalte-se, já estava prevista no regime jurídico da vacina estabelecido pelo Programa Nacional de Imunizações que possibilita a existência de vacinas que sejam facultativas, obrigatórias e compulsórias consoante as peculiaridades de sua incidência e impacto sobre a saúde pública.

Uma das medidas mais efetivas para a prevenção de doenças, individual e coletivamente, ao evitar epidemias, a vacinação foi responsável por erradicar doenças como poliomielite, rubéola congênita e sarampo, e é a arma necessária para impedir que a pandemia de Covid-19 continue a paralisar o planeta.

Do ponto de vista ético, é aceitável defender o direito individual e não aceitar tudo o que seja obrigatório ou compulsório. Mas decidir com autonomia significa estar instruído com boas informações, como as que fez os brasileiros entenderem que em nome do interesse coletivo deveriam adotar a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança e que a ninguém é dado o direito de fumar em locais fechados.

Tão importante quanto a responsabilização de quem recusa uma vacina, é a oportunidade de fazer fortalecer a autonomia do cidadão através do fornecimento de boas informações em saúde, que lhe permitam de fato decidir livremente.

 

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