CRM-PB Entrevista: Dra. Narriane Chaves

 

“A obesidade é uma doença crônica e que precisa ser tratada por toda a vida”. A afirmação é da presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional Paraíba (SBEM-PB), Narriane Chaves. Ela ressalta que ainda há muito preconceito e ideias erradas sobre o tratamento medicamentoso da obesidade e que há muitos mitos que precisam ser desfeitos.

 

Formada em Medicina pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), residência em Clínica Médica no Hospital Getúlio Vargas (Recife/PE), especialista em Endocrinologia e Metabologia pela Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Hospital Agamenon Magalhães (Recife/PE) e Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Pernambuco (UPE), Narriane Chaves é a atual chefe do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW/UFPB) e preside a regional paraibana da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

 

Na entrevista a seguir, ela fala sobre a importância da população, e também da comunidade médica, entenderem os conceitos sobre a obesidade para que o paciente seja tratado de forma adequada, sobre o uso de medicamentos reconhecidos e aprovados pelas agências de vigilância em saúde, sobre obesidade e covid, e também sobre a cirurgia bariátrica, que precisa ser entendida como uma etapa do tratamento e não a cura da obesidade.

 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até 2025, cerca de 167 milhões de pessoas no mundo ficarão menos saudáveis por estarem acima do peso. Quais são os principais problemas de saúde causados pela obesidade?

Os principais problemas de saúde relacionados à obesidade variam desde doenças metabólicas importantes, como diabetes tipo 2, esteatose hepática, doença cardiovascular, como infarto do miocárdico e AVC, até situações que envolvem o comprometimento dos hormônios, como o hipogonadismo, que leva à falta de menstruação nas mulheres ou à queda dos níveis de testosterona nos homens, além de infertilidade. Há também problemas articulares, devido à sobrecarga do peso, que resulta em redução da mobilidade e dores crônicas. Além disso, a obesidade pode ocasionar aumento do risco de fraturas ósseas e problemas musculares. Não menos importante, pode causar sérios problemas psicoemocionais. A obesidade está, em 30 a 50% dos casos, associada a algum transtorno psiquiátrico, como depressão, ansiedade, déficit de atenção e hiperatividade e transtornos alimentares, como compulsão alimentar ou bulimia. Ou seja, trata-se de uma doença sistêmica, que afeta vários outros segmentos do nosso corpo.

 

As pessoas com obesidade são constantemente “culpadas” por estarem acima do peso. Isso se deve à falta de informação, inclusive, de médicos?

Esse é um tópico muito importante: a culpa que o paciente com obesidade carrega por ter o excesso de peso. Essa culpa resulta do conceito errado que nós temos sobre o problema, não só como sociedade, mas também como comunidade médica. Os médicos também precisam entender a complexidade da doença, para que consigam enxergá-la como um problema de saúde e não como um “descaso do paciente”. As pessoas com obesidade são estigmatizadas como preguiçosas, descuidadas, e que têm o problema porque comem demais. Isso não é verdade. A doença existe e traz alterações, inclusive relacionadas ao comportamento e preferências alimentares, além de causar redução do gasto energético basal, mecanismos que levam ao aumento do peso. Então, a culpa não é do paciente. Ele tem uma doença de causa 40 a 70% genética e, se esse potencial genético é inserido em um ambiente obesogênico, de sedentarismo, de maus hábitos alimentares, essa doença vai se manifestar em maior ou menor gravidade. Por isso, temos que desfazer essa ideia de que a culpa do excesso de peso é do paciente. Nós médicos, profissionais de saúde, precisamos entender esses conceitos, para que consigamos enfrentar o problema, junto com o paciente, e tratá-lo de maneira adequada.

 

Quando uma pessoa é considerada obesa? Quando são necessárias as intervenções medicamentosas e cirúrgicas?

A obesidade é definida pelo índice de massa corpórea (IMC), uma medida simples em que se faz a relação do peso em quilogramas divido pela altura ao quadrado. O IMC maior ou igual a 30 define obesidade. Essa obesidade pode ser classificada em grau 1, 2 ou 3, obesidade mórbida e super obesos, dependendo da gravidade do nível de IMC. Obesidade grau 1, o IMC varia de 30 a 34,9 kg/m2; grau 2 de 35 a 39,9 kg/m2; grau 3 de 40 a 44,9 kg/m2; e obesidade mórbida quando o IMC é igual ou maior que 45 kg/m2. Toda pessoa que tem obesidade, precisa ser tratada. As intervenções são várias. É preciso um tratamento multidisciplinar, no qual a base é a mudança no estilo de vida, com o auxílio dos profissionais da nutrição, e atividade física regular (mínimo de 150 minutos por semana). Além da modificação do estilo de vida, a pessoa precisa também, muitas vezes, ser medicada. A obesidade é uma doença crônica e precisa ser tratada pelo resto da vida do paciente. Existe muito preconceito e ideias erradas sobre o uso de medicações que tratam de forma adequada o problema (como o medo de efeitos adversos graves, dependência ou efeito rebote). Muitas dessas informações são falsas. O que acontece é que, como toda doença crônica, ela precisa ser tratada em longo prazo, semelhante ao que ocorre com a hipertensão, o diabetes ou a osteoporose. Em qualquer uma dessas doenças crônicas, se o tratamento medicamentoso for suspenso subitamente, o problema vai voltar. Existem algumas medicações que já estão respaldadas pela literatura médica e endossadas pelas grandes agências de vigilância em saúde no mundo que tratam a obesidade de forma segura e efetiva. O que não deve ocorrer é uso de medicações sem prescrição médica ou de substâncias ou hormônios que não foram estudados ou que não estão respaldadas cientificamente para este fim, como, infelizmente, tem ocorrido com frequência. Além das medicações, temos a opção, para os casos graves e refratários, a cirurgia bariátrica, que é um tratamento extremamente eficaz, com comprovação científica robusta de benefícios, principalmente de benefícios cardiovasculares, de redução da mortalidade geral, de melhora da qualidade de vida. No entanto, precisa ser entendida como uma etapa do tratamento, que pode trazer algumas complicações e não como a cura da obesidade.

 

A obesidade é um dos fatores de risco para a covid-19? Por que?

A pandemia da covid-19 veio reforçar o potencial inflamatório da obesidade como doença. Sabemos que na covid existe uma tempestade inflamatória que se instala de forma aguda. Na obesidade, esse problema inflamatório é crônico, é constante e contínuo. A associação das duas condições, demonstrou ser extremamente perigosa, sendo as complicações da primeira bem maiores e mais frequentes nos pacientes com obesidade, quando comparados aos sem obesidade. Além das questões mecânicas, que dificultam a ventilação e os cuidados com o paciente, ocorre ainda a potencialização do status inflamatório e pró-trombótico, característico do portador de obesidade. Esses mecanismos explicam o aumento das complicações e da mortalidade dessas pessoas diante de uma infecção pelo Sars-Cov 2.

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