Uma guerra contra a morte Dos primeiros jesuítas aos cientistas modernos, a medicina luta há cinco séculos para erradicar as grandes epidemias do Brasil O Brasil é um imenso hospital, costumavam dizer os médicos brasileiros do início do século XX. A frase, embora não totalmente correta (faltam-nos, pelo contrário, leitos hospitalares), reflete uma verdade que vem de longe. O que vemos no passado é uma longa luta contra a pobreza, o desconhecimento e as condições adversas para a prática médica. O Brasil sempre foi um país de muitas doenças, sobretudo doenças epidêmicas, várias delas trazidas pelos próprios colonizadores. Moacyr Scliar é médico sanitarista e autor, entre outros títulos, de A paixão transformada: história da medicina na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. ——————————————————————————– Os magos da botica Misturando crendice com medicina e enfrentando preconceitos, os farmacêuticos da Colônia prosperavam com a venda de suas poções milagrosas As farmácias do Brasil colonial em nada lembravam as amplas e modernas drogarias de hoje. Podiam mesmo se resumir a uma “caixa de botica” – espécie de arca de madeira portátil onde se guardavam os medicamentos produzidos nos laboratórios -, que costumava acompanhar tropas, expedições e autoridades quando estas se deslocavam para longe. Nas cidades, os remédios eram vendidos nas chamadas boticas. Ali os boticários, que eram os farmacêuticos da época, preparavam as suas “medicinas”, como se chamavam então os remédios. As boticas e os laboratórios funcionavam junto às casas dos proprietários. Estes importavam quase tudo de Portugal para bem sortir seu estabelecimento, embora as plantas medicinais, matéria-prima dos remédios, existissem em abundância por aqui mesmo. Vera Regina Beltrão Marques é doutora em História Social pela Unicamp, professora na Universidade Federal do Paraná e autora de Natureza em boiões: medicinas e boticários no Brasil setecentista. Campinas: Editora da Unicamp / Centro de Memória da Unicamp, 1999. ——————————————————————————– O doutor da capa preta Personalidade misteriosa, da qual os clientes só conheciam o nome, o polonês Chernoviz foi o médico mais popular no Brasil do século XIX “Dr. Pedro Luís Napoleão Chernoviz Tem a maior clientela da cidade. Não atende a domicílio Nem tem escritório. Ninguém lhe vê a cara. Misterioso doutor de capa preta (…)” (Trecho do poema “Dr. Mágico”, de Carlos Drummond de Andrade.) Além da homenagem de um de nossos maiores poetas, muitas são as notícias sobre o dr. Luiz Napoleão Chernoviz e suas façanhas. Polonês de nascimento, ele veio para o Brasil em 1840 e morreu 41 anos depois em Passy, na França. Formou-se em Montpellier, ao que tudo indica em cirurgia e não em medicina. Havia, na Europa, diferenças entre esses dois cursos. Ao desembarcar no Rio de Janeiro em busca de fama e fortuna, o dr. Chernoviz percebeu que para atingir rapidamente os seus propósitos, o meio mais indicado não era montar consultório, e muito menos dedicar-se à arte da cirurgia. A preferência da população quando necessitava desse recurso recaía sobre os cirurgiões mais renomados e já havia muitos consultórios de médicos e cirurgiões conhecidos e afamados. Betânia Gonçalves Figueiredo é professora de História na UFMG e autora de A arte de curar: cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros no século XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 2002. ——————————————————————————– Uma parteira diplomada Figura singular, a francesa Madame Durocher usava casaca e cartola para circular com mais liberdade no Rio de Janeiro oitocentista, onde trouxe à luz mais de 5 mil crianças No final de 1834,Maria Josefina Matilde Durocher anunciava pela primeira vez seus serviços, pelos jornais do Rio de Janeiro. Tinha acabado de concluir o Curso de Partos, na Faculdade de Medicina. A partir de então a parteira se tornou uma figura popular na cidade, não só pela competência profissional, e como resultado enorme clientela, como pelo aspecto viril e trajes usados. Logo após a formatura, adotou os acessórios masculinos casaca e cartola. Alfredo Nascimento a coloca entre as figuras bizarras que circulavam pelas ruas do Rio de Janeiro de então.”Não se sabia, à primeira vista, a que sexo pertencia essa personalidade original”, diz o médico. “Pelo aspecto físico e pelas vestes era um misto mal definido de homem e de mulher.” Maria Lucia Mott é doutora em História pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Memória da Saúde do Instituto de Saúde da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo. A íntegra destes artigos está na edição 21 de Nossa História

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