O crescente número de casos confirmados de microcefalia nos últimos meses tem mobilizado a classe médica e científica em busca de respostas que expliquem o fenômeno. Na Paraíba, uma análise realizada no banco de dados da Rede de Cardiologia Pediátrica do Estado indicou subnotificação dos casos de microcefalia entre 2012 e 2015. Produzido por pesquisadores do Círculo do Coração de Pernambuco, em parceria com a Secretaria de Saúde da Paraíba, a pesquisa foi publicada no final de janeiro em um boletim da OMS e ganhou repercussão mundial, mostrando que os casos atuais podem não ter relação apenas com o vírus zika. 

O estudo foi elaborado a partir de uma força-tarefa com pesquisadores para analisar dados de 16 mil casos de bebês nascidos nos últimos quatro anos, registrados no banco de dados do projeto, que conta com informações de 100 mil recém-nascidos paraibanos.  Os resultados mostraram que entre 4% e 8% dos bebês tinham microcefalia, revelando uma taxa de notificação de, pelo menos, 20 casos para cada 10 mil, número bem superior ao indicado pelo Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sisnac) em 2014, que apresentava uma taxa de notificação de microcefalia de 0,5 caso para cada 10 mil nascimentos. A seguir a entrevista com a coordenadora da Rede de Cardiologia Pediátrica da Paraíba e do Círculo do Coração de Pernambuco, Sandra Mattos, sobre a pesquisa e seus resultados.

Como surgiu a ideia de analisar o banco de dados do Círculo do Coração para acompanhar os casos de microcefalia na PB?
Sandra Mattos – Em novembro de 2015 nós vimos o enorme problema causado pelo número de casos com microcefalia reportados no Nordeste do Brasil e percebemos também que havia, no momento, muitos questionamentos sobre o estabelecimento do diagnóstico e de estratégias de manuseio. Num primeiro momento, até os valores do perímetro cefálico estavam sendo discutidos. Entendendo que em nosso banco de dados havia mais de 100.000 bebês cadastrados com dados antropométricos e cardiovasculares, propusemos a realização de uma força-tarefa para analisar o perímetro cefálico em 10% da amostra no período de 4 anos, desde o início da parceria entre o Círculo e a Secretaria de Saúde, quando foi estabelecida a Rede de Cardiologia Pediátrica.

Vocês avaliaram dados de mais de 16 mil crianças nascidas na PB acompanhadas pelo Círculo do Coração entre 2012 e 2015. Deste total, de 2% a 8% apresentaram alterações que indicam algum grau de microcefalia. O número de casos é bem superior ao registrado pelo Ministério da Saúde. Esta diferença é resultado de quê e que impacto esta constatação gera nos estudos que relacionam o vírus da zika à microcefalia?
SM – Esses achados geraram novos questionamentos.  Dentre eles destaca-se o fato de que havia uma subnotificação prévia e gera questões sobre a etiologia da doença, os critérios diagnósticos e até a forma de medir o perímetro cefálico.  Um ponto importante, por exemplo, é se a medida do perímetro cefálico sem a análise de outras medidas antropométricas do bebê é um bom parâmetro (pois, por exemplo, se um bebê nascer a termo, mas for pequeno para a idade gestacional, um perímetro cefálico abaixo do limite “normal” pode ser adequado para aquela criança)
 
A senhora acredita que os casos de microcefalia não notificados podem estar relacionados ao vírus zika, em período anterior ao surto, ou a outro fenômeno?
SM – Não sabemos dessa informação. Na verdade, apesar de termos vários casos que comprovam a relação do virus Zika com a microcefalia, o número de casos documentados ainda é relativamente pequeno e a maioria dos pacientes não foi testado ainda para outras doenças, como a Chikungunya, que também podem estar envolvidas nesse processo.
      
Com base neste cenário de subnotificação, a senhora acredita que o Brasil está enfrentando realmente um surto de casos de microcefalia?
SM – Acho que não há dúvida de que estamos vendo um número maior de casos graves de microcefalia. O que acho que tem confundido um pouco as informações é que muitos casos que talvez não sejam microcefalia verdadeira estão sendo reportados. São os chamados “casos suspeitos”. Então sabemos que os casos graves aumentaram e sabemos que há outras malformações que podem cursar com o tamanho normal da cabeça. Porém, talvez, o número de casos que a media notifica esteja acima daquilo que realmente está acontecendo.

A senhora acredita que o vírus zika deve ser realmente o responsável por isto?
SM – Também sabemos que esse vírus está envolvido no problema. Isso já foi documentado em várias situações. O que não está ainda bem esclarecido é se o vírus Zika é o único fator responsável pelo surto, se outras viroses ou até outros fatores podem estar associados.

Há estudos que relacionam o uso de agrotóxicos aos casos de microcefalia. A senhora acredita que esta é uma variável importante?
SM – Todo questionamento científico é válido. E diante de um problema de saúde pública tão grave, muitos questionamentos surgem. Para cada um deles, faz-se necessário formular a hipótese e testá-la. Por isso é tão difícil balancear a pressão imposta pela sociedade de uma “resposta rápida” com a metodologia científica necessária para precisão da informação.
 
O Fantástico divulgou, no dia 3 de abril, uma pesquisa que revelava a mutação do vírus da zika no Brasil, relacionando este fato aos casos de microcefalia. A senhora pode comentar algo a respeito?
SM – Desde o início esse é um dos questionamentos que vem sendo colocado pela comunidade científica e, potencialmente, poderia explicar a mudança na repercussão clínica da virose em nossa região. No entanto, as pesquisas estão apenas começando. Alguns dos casos relacionados ao vírus Zika na literatura foram sequenciados e não mostrarão mutações. Portanto acredito que precisamos aguardar um pouco. Mas é uma linha de pesquisa muito importante.

Após este achado, quais são ações da Rede em relação aos casos de microcefalia?
SM -  A rede realizou uma segunda etapa muito importante que foi a avaliação clínica e ultra-sonográfica de aproximadamente 30% dos bebês identificados como microcefálicos na primeira pesquisa em Dezembro. Ao todo foram reavaliados 314 crianças.
 
Para iniciar a análise, a senhora buscou a parceria com o CRM-PB. Qual é importância deste apoio e como ele ocorre?
SM – Acreditamos que o modelo da Rede pode ajudar no enfrentamento da microcefalia, não apenas para agilizar o manuseio, como também para fazer uma triagem inicial e assim facilitar o direcionamento dos pacientes e a alocação de recursos do sistema de saúde para o apoio às famílias. Por esse motivo propusemos, com o apoio do Ministério da Saúde e da Secretaria de Saúde da Paraíba, um plano piloto no mês de Fevereiro, após a aprovação do comitê de ética. Trabalhamos com o apoio do Conselho de Medicina e de Enfermagem para capacitarmos equipes de médicos pediatras e enfermeiros para realizarem consultas clínicas e coleta de imagens de ultrassom transfontanela. Os resultados estão sendo encaminhados a SES, ao Ministério da Saúde e submetidos para publicação no Boletim da OMS.

Fique à vontade para fazer qualquer consideração
SM – A avaliação da eficácia de modelos de telemedicina é muito importante pois proporciona uma ferramenta poderosa para integrar equipes, diminuir distâncias e facilitar a avaliação inicial de pacientes. O Estado da Paraíba, por ter uma Rede instalada para cardiologia pediátrica há quatro anos, encontra-se numa posição única para demonstrar a eficácia da utilização do modelo no enfrentamento da microcefalia e expandi-lo para outras  regiões do País.

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