7 de agosto de 2011

“Nós, Testemunhas de Jeová, não somos mártires, não queremos morrer. Nós acreditamos na Bíblia e encaramos o sangue como uma virtude sagrada, não fazemos uso do sangue para nada”, com esta afirmação categórica, o evangélico José Ailton de Oliveira Nunes, de 24 anos, explica a doutrina da igreja que não permite que os fiéis doem ou recebam sangue de outras pessoas. No entanto, ele foi protagonista de um procedimento inédito na Paraíba, a autotransfusão por hemodiluição, que usa sangue do próprio paciente durante cirurgias.

A técnica de autotransfusão por hemodiluição em José Ailton foi realizada durante intervenção cirúrgica realizada no último dia 19 em um hospital público de João Pessoa. O rapaz foi diagnosticado com cistos no pulmão direito que o obrigava a se submeter a uma cirurgia para remoção de parte do órgão. Na hora em que soube do diagnóstico, José Ailton embora tomado pela surpresa de estar com um problema de saúde grave, já sabia que não se submeteria ao procedimento se fosse obrigatório a transfusão sanguínea.

“Eu era uma pessoa saudável, de repente, senti uma dor forte no lado direito, logo pensei que seria no pulmão, mas não imaginava que fosse algo tão grave”, relatou José Ailton. Mas, antes de receber o diagnóstico da doença, o rapaz peregrinou na mão de vários médicos. “Foram vários os diagnósticos que recebi, antes que o médico requisitasse um exame de meu pulmão e identificasse os cistos. Chegaram a dizer que eu estava com gases, problema de coluna e até suspeitar de que estivesse com  tuberculose, mas no Hospital Clementino Fraga o médico encontrou os cistos que estavam causando inflamação e dor. Ele me avisou que precisava fazer cirurgia”, relatou.

Entre a primeira dor e a cirurgia se passaram mais de três meses. Porém, José Ailton embora consciente da gravidade de seu problema de saúde, jamais admitiu a necessidade de receber sangue de outra pessoa. “A transfusão de sangue para mim é semelhante ao estupro. Você aceitaria ser estuprado?”, questiona.

Para o evangélico, a recusa em receber sangue de outros é justificável com várias passagens bíblicas. “Carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis”, cita ao ler o capítulo 9, versículo 4, de Gênesis. Lendo logo em seguida, o capítulo 15, versículos 28-29, do livro dos Atos dos Apóstolos, “na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: (28) Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá.(29)”. “Está na Bíblia não comer e não fazer uso de sangue”, finaliza José Ailton. “Não faria transfusão de sangue de jeito nenhum. Primeiro porque eu ajo de acordo com os meus princípios. Em segundo lugar, existem riscos de contrair doenças com a transfusão”, afirmou.

 

Técnica médica utiliza o sangue do próprio paciente

A primeira cirurgia com uso da técnica de autotransfusão por hemodiluição na Paraíba foi realizada pelo médico Petrucio Sarmento, especialista em cirurgias torácicas, de pulmão e traqueia, no Hospital Universitário Lauro Wanderley da Universidade Federal da Paraíba. “A técnica de autotransfusão é antiga e usa do sangue do próprio paciente ao invés do sangue de terceiros. Em hospitais do Estado de São Paulo, onde trabalhei, já tinha usado a técnica com pessoas que recusaram receber a transfusão em respeito a própria religiosidade. Sempre achei que esta técnica abriria um canal para atendimento às pessoas que não aceitam a transfusão”, explicou Sarmento.

Segundo o médico, a técnica de autotransfusão por hemodiluição pode ser aplicada em todas as pessoas que precisam se submeter à cirurgia de longa duração. “Todo paciente que não quiser ou não aceitar o  sangue de terceiros por razões pessoais ou religiosas pode pedir ao médico para que seja realizada a autotransfusão”, afirmou Sarmento.

“Essa é uma técnica antiga e segura, com menor risco de reação e de  contaminação, com vírus  HIV, hepatite, entre outros”, afirmou Sarmento. Contudo, o médico afirma que a técnica é mais complexa do que a transfusão habitual, onde o paciente recebe sangue de doador compatível”, salientou.

A técnica, segundo Sarmento, consiste em estimular, através de medicamentos o aumento da produção de sangue, rico em nutrientes e ingredientes como hemoglobina, para que a coleta de sangue seja feita antes do momento da cirurgia. “Antigamente, a coleta era feita dois a três meses antes da cirurgia, mas para abrir um canal para outros pacientes, em especial os seguidores da igreja Testemunha de Jeová, a coleta é feita no momento da intervenção cirúrgica e é administrado, durante a cirurgia ou ao seu final ao doente”, explicou Petrucio Sarmento. Nesses casos, o doador é o próprio doente.

Em geral, a autotransfusão por hemodiluição só pode ser realizada ao paciente que vai se submeter a uma cirurgia eletiva, ou seja, nos casos em que os procedimentos são programados. “Nesses casos, é preciso preparar o paciente que vai se submeter a cirurgia. Ele vai precisar receber o medicamento e estimular a medula a produzir sangue dois meses antes do procedimento”, explicou Sarmento.  Com a técnica o médico pode retirar até 600 mililitros de sangue do paciente que pode ser usado durante a cirurgia. “O sangue rico em ferro e hemoglobina pode ser diluído, em caso de necessidade, e ser usado durante a cirurgia sem causar prejuízo no paciente”, afirmou Sarmento. A qualidade do sangue é confirmada com um exame de hemograma realizado antes da cirurgia.

Segundo o presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba, João Medeiros, a técnica é segura e não traz riscos para o paciente. “O uso da autotransfusão não é uma técnica experimental. Ela já é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina”, enfatizou.

Na cirurgia de José Ailton o uso da autotransfusão foi a única saída para evitar que ele aceitasse realizar o procedimento. “Não iria aceitar a transfusão. É contra meus princípios religiosos e sei que a transfusão por mais criteriosa oferece riscos”, ressaltou. Acrescentando que mesmo diante da necessidade de fazer a cirurgia já havia deixado um procuração com a esposa para que ela não permitisse o procedimento mesmo em caso de risco de morte.

A cirurgia para retirada dos cistos resultou na perda de quase metade do pulmão direito de José Ailton. Apesar da cirurgia ter se prolongado por mais de quatro horas, ele só recebeu o sangue de volta ao final do procedimento. Quase uma semana depois, ele já festejava o fato de ser a primeira pessoa a se submeter a cirurgia preservando o respeito aos seus princípios. “Esta é uma alternativa para quem não quer a transfusão”, afirmou.

Fonte: Luzia santos do Jornal da Paraíba

Spotify Flickr Facebook Youtube Instagram
Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.