Oferecer um serviço de saúde de qualidade a todas as gestantes e puérperas da Paraíba é um grande desafio para o Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que, ainda há casos de mulheres que perdem a vida devido a complicações na gravidez e no parto. Segundo o Ministério da Saúde (MS) e o Comitê Estadual de Redução de Morte Materna, nos últimos sete anos, a morte materna vitimou mais de 170 paraibanas. Em alguns casos, as pacientes morreram a caminho de socorro porque não havia assistência adequada em suas cidades ou porque estavam à espera de uma vaga na terapia intensiva nos hospitais de João Pessoa, já que não existe UTI materna na rede pública da Paraíba. As causas principais O Comitê estima que, no ano passado, 17 mulheres tenham falecido, depois de terem dado à luz. As principais causas de morte foram: a doença hipertensiva específica da gravidez (eclampsia e pré-eclâmpsia), infecções e hemorragias. Nos 11 casos de morte materna já confirmados, em 2007, foram identificados 16 órfãos, crianças que, sem a mãe, passam a ter um futuro incerto já nos primeiros dias de vida. Evitável em 98% dos casos De acordo com a Rede Feminista de Saúde, 98% dos casos de mortes maternas são evitáveis. Mesmo assim, o problema ainda é a oitava maior causa de óbito em mulheres em idade fértil (10 a 49 anos) no Brasil, conforme o estudo \”A mortalidade de mulheres de 10 a 49 anos, com ênfase na mortalidade materna\”, divulgado pelo MS, em 2006. Entre as mulheres nessa faixa etária que estavam grávidas ou que haviam estado grávidas 12 meses antes do óbito, a morte materna foi responsável por 51,6% dos falecimentos. \”Minha mãe está no céu\” A pequena Bianca tem apenas dois anos e seis meses, mas já sabe que só poderá ver sua mãe nas fotos guardadas com carinho pelos avôs. A mãe de Bianca, Edvânia Teixeira de Oliveira, morava em Jacumã, distrito do município do Conde, litoral sul da Paraíba. Ela tinha 30 anos e iria ter seu primeiro bebê, se não tivesse sido mais uma vítima da morte materna causada por eclâmpsia. \”O que aconteceu foi muito doloroso para a nossa família porque minha filha era muito querida. Ela queria muito esse bebê e sonhava em ser mãe. Antes de morrer, ela pediu para que eu criasse a menina, mas o marido não respeitou esse pedido e hoje, nós lutamos para poder conviver com a minha neta. Quando a menina vem em casa e vê a foto de Edvânia, ela fala: ‘minha mãe está no Céu, com Jesus…’\”, contou emocionada a aposentada, Ednalva Teixeira, 61 anos. Assim como Bianca, o pequeno Igor, de apenas seis meses de idade, também é um órfão da morte materna. Sua mãe, Telma Saraiva da Silva, morreu no ano passado, aos 35 anos, em decorrência de uma infecção hospitalar na Maternidade Santa Maria, em João Pessoa. Hoje, ele é criado pela tia em 2º grau, a lavadeira, Gizélia Dantas Barros Lima, 51 anos. \”Minha sobrinha queria tanto ter essa criança. Estava tão feliz…\”. Sem direito à vaga em maternidades A ausência de um sistema de regulação de vagas intermunicipal é um entrave que compromete a assistência à saúde materna na Paraíba, conforme o presidente do Comitê Estadual de Prevenção à Mortalidade Materna, Eduardo Sérgio Sousa. Segundo ele, as paraibanas não têm garantido o direito a uma vaga nas maternidades do Estado e, por conta disso, acabam percorrendo uma verdadeira \”via crucis\” para ter o seu bebê. Algumas chegam a morrer a caminho de assistência. \”Metade das mulheres só é internada em uma maternidade depois de passar por dois ou três lugares para ter o bebê. O MS diz que as mulheres já deveriam saber, no pré-natal, onde deveriam ter o seu filho. Essa assistência ao parto deveria ser assegurada e isso não acontece. Há uma grande demora, o que gera prejuízo para o bebê, para a mãe ou para os dois. Uma das seis mulheres que morreram em 2005 estava em Pirpirituba e foi diagnosticada a hipertensão. Ela passou por Guarabira e continuou com a hipertensão. Veio para João Pessoa e morreu na porta do hospital. Existe uma pactuação entre os municípios, mas essa lógica não é assegurada, quando tem que ser! Uma paciente que veio de Itabaiana, no ano passado, precisou de sangue e no hospital da cidade não tinha. Ela acabou morrendo a caminho de João Pessoa. Se houver, hoje, uma mulher com grande sangramento em Itabaiana ou na região, ela vai morrer porque o problema não foi resolvido\”, denunciou Eduardo. Ausência de terapia intensiva Outro problema que compromete a assistência às gestantes e parturientes (principalmente, as de alto risco) é a ausência UTIs maternas. Nem mesmo hospitais que são referências para as gestações de alto risco, como o Instituto Cândida Vargas (ICV) – que também é a única maternidade da Paraíba que se destaca, segundo o MS, pelo atendimento humanizado que oferece – possuem terapia intensiva para atender as mulheres que precisam do serviço. De acordo com Eduardo Sérgio, a UTI materna do ICV está sendo construída e deverá ser entregue este ano. São previstos de seis a oito leitos. Relatório denuncia descaso O relatório sobre morte materna divulgado pela SES e referente ao terceiro trimestre de 2007 revela a precariedade com que funcionam os Comitês Regionais de Prevenção à Morte Materna em todo o Estado e denuncia o descaso dos municípios em relação às investigações dos óbitos das mulheres em idade fértil. Segundo o documento, nenhum município atingiu a meta pactuada de investigar pelo menos 70% das mortes das mulheres nessa faixa etária. Dentre as cidades com mais de 100 mil habitantes, apenas João Pessoa chegou perto o percentual mínimo, tendo investigado 20 das 31 mortes de mulheres em idade fértil (o equivalente a 64,5% dos óbitos). O município de Santa Rita não investigou nenhuma das seis mortes registradas e Campina Grande investigou apenas dois dos 14 óbitos que ocorreram (14,2%). \”Continua tendo uma grande diferença entre as informações das planilhas e o registro oficial do Sistema (Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM) e poucas informações sobre as investigações realizadas\”, apontou o documento. A inexistência de Comitês Regionais em algumas localidades do Interior e a falta de efetividade dos Comitês existentes também são obstáculos no combate à mortalidade materna na Paraíba. Mortalidade é mais comum no Interior O relatório sobre a mortalidade materna em mulheres em idade fértil na Paraíba, divulgado em março de 2007, pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) revelou que a incidência da mortalidade materna é muito maior nos municípios do Interior, locais onde a assistência à saúde é mais precária. De acordo com o documento, 25 mulheres foram vítimas da morte materna, em 2006, levando-se em conta os óbitos declarados e os presumíveis. Com base nisso, a razão de mortalidade materna na Paraíba, naquele ano, foi de 46 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. No entanto, em municípios como Várzea (a 275,2 quilômetros de João Pessoa), essa razão é 81 vezes maior, subindo para 3.703,7 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos. Em Aroeiras (a 177,8 quilômetros da Capital) e Areial (a 155,9 quilômetros de João Pessoa), a razão de morte materna chega a ser 20 vezes maior do que a média do Estado. O relatório também mostra que a disparidade na razão da mortalidade materna não é um problema exclusivo de localidades distantes dos grandes centros. Enquanto em João há, em média, 29,4 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos; em Cruz do Espírito Santo (a apenas 23 quilômetros da Capital), a razão sobe para 332,2 mortes. No ano passado, 36% dos óbitos maternos notificados e investigados tinham como vítimas trabalhadoras rurais. \”Dos 11 casos, quatro eram agricultoras que moram em Alhandra, Umbuzeiro, Cacimbas e Salgado de São Félix. É como se essas mulheres não tivessem tido acesso à assistência no devido tempo\”, disse Eduardo Sérgio. A OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) consideram que o número oficial de mortes maternas não corresponde à realidade e propõem a aplicação de \”fatores de correção ou ajuste\”. Eduardo Sérgio Sousa disse que taxa de mortalidade na Paraíba gira em torno de 26 mortes para cada 100 mil nascidos vivos. Violação dos direitos humanos Para a Rede Feminista de Saúde, a morte materna deve ser considerada um grave problema de saúde pública e de violação dos direitos humanos. Segundo o estudo do MS, os óbitos maternos são cum \”excelente indicador de saúde, não apenas da mulher, mas da população como um todo\”. O presidente da Associação Paraibana de Ginecologia e Obstetrícia, Geraldez Tomaz: comfirma: \”Nos serviços de saúde particular, dificilmente a mulher evolui para uma morte materna causada por pré-eclampsia e eclampsia devido à assistência que ela recebe e à forma como leva a sério o pré-natal. A morte materna é um problema que tem um viés socioeconômico, gerado pela ausência de uma assistência adequada à saúde da mulher, à saúde materna e neonatal\”.

Spotify Flickr Facebook Youtube Instagram
Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.