1) As reclamações e queixas contra os médicos feitas pelos pacientes dificilmente chegam ao ouvido do médico. Geralmente, elas são feitas diretamente aos profissionais do setor de enfermagem, e estes, por sua vez, não levam à frente. 2) Na percepção dos médicos, é melhor e mais fácil lidar com o paciente do que com seus familiares. Estes são mais questionadores. 3) Os médicos não desfrutam mais do status social que caracterizava a profissão. Dentro da própria medicina, há carreiras menos valorizadas, como a do médico generalista. 4) Muitos médicos procuram se basear cada vez mais nas novas técnicas de diagnóstico, solicitando uma série de exames caros e nem sempre acessíveis aos pacientes. Com isso, eximem-se do exame clínico que poderia substituir com eficiência o uso indiscriminado de exames sofisticados. Essas são algumas das opiniões reveladas pela pesquisa qualitativa “Bioética e Saúde”, realizada com um grupo de médicos e profissionais da saúde dos municípios de São Paulo e Recife, que será apresentada na abertura do encontro “Reflexões e Experiências de Bioética na Educação Médica”, neste sábado, dia 19, no Hotel Transamérica, em São Paulo. O evento é promovido pela Disciplina de Bioética da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) e pelo Núcleo de Estudos de Bioética da USP, e reunirá professores e representantes de cerca de 30 escolas médicas do País para discutir um novo modelo de ensino da Bioética. Segundo o professor associado responsável pela Disciplina de Bioética da FMUSP e coordenador do Núcleo de Estudos da Bioética da USP, Claudio Cohen, a proposta do encontro é desenvolver e implantar nas faculdades de medicina um currículo mínimo para o ensino da Bioética (ou Ética Médica como chamam algumas instituições de ensino). Serão apresentadas e discutidas, no evento, as questões mais relevantes que tangenciam o comportamento e a prática médica no cotidiano, e que servirão de subsídio para a construção desse novo modelo de ensino da Bioética. Apresentação de pesquisas O encontro será aberto, às 8h, com a apresentação de duas pesquisas, uma qualitativa e outra quantitativa. A primeira procurou conhecer a opinião dos profissionais da saúde sobre Bioética e Medicina, abordando em profundidade temas como a satisfação profissional, as relações com o paciente, os dilemas da medicina frente às novas tecnologias, e a propaganda e a ética médica, entre outros. A segunda pesquisa identificou os 50 assuntos relacionados à Bioética mais citados nos últimos 30 anos em artigos científicos do Medline, base de dados da literatura internacional da área médica. Além do professor Claudio Cohen, participaram da coordenação dos estudos o professor titular e chefe do Departamento de Medicina Legal e Ética Médica, Eduardo Massad, e a professora associada do Departamento, Linamara Rizzo Battistella. Foram entrevistados, na pesquisa qualitativa “Bioética e Saúde”, médicos, professores e diretores de hospitais, recém-formados e residentes, estudantes de quinto e sexto anos de medicina, além de profissionais de saúde dos níveis superior e médio. Por ter sido aplicada a metodologia qualitativa, foram feitas 20 entrevistas em profundidade com médicos, professores e diretores de hospitais, e oito discussões em grupo com os demais profissionais. Nas questões relativas às “relações interprofissionais”, umas das conclusões foi a de que as queixas contra os médicos são feitas diretamente para os profissionais de enfermagem, durante o atendimento destes, mas elas não chegam ao ouvido do médico. A justificativa que os entrevistados dão é que os pacientes “endeusam” os médicos, de quem precisam de atenção e tratamento e, por essa razão, os livram de reclamações. No item “satisfação profissional”, a maioria dos entrevistados expressou satisfação com a profissão que escolheram. Mas ao serem perguntados sobre outras questões relacionadas ao trabalho – como o nível de salário, o local onde exercem a atividade etc. – mostraram insatisfação. “Isso representa um conflito ético, um conflito de valores, que os médicos não enxergam como tal. Eles têm uma fantasia, mas na verdade não é a realidade que eles vivem”, analisa o professor de Bioética da FMUSP, Claudio Cohen. Outra constatação apontada no estudo é que os baixos salários não são fator determinante para que os médicos não atendam os pacientes como deveriam. Os entrevistados afirmam que não se justifica um médico atender mal os pacientes por causa de sua baixa remuneração. Quem age assim – opinam – quando tiver um aumento substancial de salário, vai continuar agindo da mesma maneira. Ainda sobre a qualidade do atendimento, os médicos reclamam da superlotação nas instituições públicas e privadas. Segundo eles, o número de pacientes é muito maior do que seria o ideal, e fatalmente o atendimento fica prejudicado, gerando reclamações crescentes do público. Quando o tema é “a saúde no Brasil”, a percepção dos médicos é de que o SUS é um sistema de saúde ideologicamente muito bom, só que ele não consegue ser implementado na prática como deveria. Especificamente sobre o Programa Saúde da Família (PSF), os entrevistados consideram-no muito bom, mas acham que os médicos que trabalham nele não têm o mesmo status de um especialista. Já as queixas contra as falhas no sistema de saúde – demora, falta de medicamentos e de médicos, equipamentos quebrados ou inexistentes – são feitas por pacientes e familiares diretamente aos profissionais de enfermagem. Eles é que recebem toda a carga de descontentamento e desconforto com relação ao atendimento, diz o estudo. Estudantes e médicos residentes e iniciantes detectam certa deterioração do status do médico, nos últimos anos. Segundo a pesquisa, eles não mais desfrutam da aura que caracterizava a profissão. Dentro da própria medicina, há carreiras mais ou menos valorizadas. Dizem os estudantes, por exemplo, que o médico generalista, embora seja muito importante principalmente para o bom funcionamento do sistema de saúde, é a escolha menos valorizada, tanto pelos pacientes quanto pelos colegas de outras especialidades. “O que chama a atenção nessa pesquisa é a consistência das respostas”, ressalta a professora Linamara Battistella. “Quanto você pega um professor de uma universidade de ponta, como a nossa, e um médico que trabalha somente num consultório de bairro, você percebe que no fundo as preocupações são as mesmas. E não é a discussão sobre a utilização de células-tronco, porque isso é um assunto restrito a especialistas e não faz parte do cotidiano do médico. A maior dificuldade deles está na relação com o paciente”. Battistella cita como exemplos de preocupação dos médicos o pouco tempo da consulta, ou ainda a falta de acesso a meios adequados de diagnósticos. “O médico sabe que isso tem que mudar, mas não tem idéia de como fazer. Por isso, temos que discutir e refletir sobre esses assuntos a partir da escola”, finaliza. Assuntos campeões da Bioética Durante o encontro “Reflexões e Experiências da Bioética na Educação Médica”, será apresentada também uma pesquisa quantitativa que identificou os 50 assuntos mais citados em artigos científicos nos últimos 30 anos no Medline. A pesquisa bibliométrica apontou como campeões de citações assuntos como autonomia pessoal, eutanásia, globalização da saúde, alocação de recursos na saúde, erro médico, conflito de interesses, relações interprofissionais, experimentos humanos, cuidados com pacientes terminais, comitês éticos, técnicas de reprodução assistida, homicídio, confidencialidade, indução do aborto, valor da vida, humanismo, códigos de ética, doação de tecidos, competência profissional, qualidade de vida, indústria farmacêutica, engenharia genética, entre outros. Currículo mínimo O professor Claudio Cohen acredita que as duas pesquisas são importantes para a discussão de um novo modelo de Ensino da Bioética no Brasil. “O estudo nos ajuda a conhecer a nossa realidade e será um ponto de partida para uma ampla reflexão das questões que giram em torno da profissão do médico, no que diz respeito à conduta profissional e pessoal”, ressalta. Para o chefe do Departamento de Medicina Legal e Ética Médica, Eduardo Massad, ninguém até hoje discutiu a criação de um currículo mínimo para a Disciplina de Bioética. “É necessário que exista uma estrutura teórica mínima, que não flutue junto com os assuntos que estão em moda”, justifica. Segundo Massad, a Bioética ainda não é uma disciplina obrigatória, mas a partir da instituição do currículo mínimo ela terá que figurar na estrutura curricular das escolas médicas. Fonte: Assessoria de Imprensa da FMUSP

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