Liminar suspende resolução do Conselho Federal de Medicina, que autorizava a ortotanásia, ou seja, a suspensão de tratamentos. Resolução, em vigor há um ano, evitava, por exemplo, que o médico perdesse o registro, mas não o isentava de responsabilidade criminal A Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, por meio de liminar, a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que autorizava os médicos a suspender tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de pacientes terminais e sem chances de cura desde que a família ou o paciente concorde com a decisão. A prática, chamada de ortotanásia, estava em vigor havia um ano em todo o país, mas só tinha efeito interno evitava, por exemplo, que o médico perdesse o registro profissional, mas não o isentava de ser responsabilizado criminalmente. Não há dados de quantos casos de ortotanásia ocorreram no último ano, mas a prática já é considerada rotineira no país. Em razão da liminar, advogados acreditam que alguns médicos devam recuar na prática da ortotanásia porque, em tese, perderam o “amparo” da resolução. Também vêem ameaça às enfermarias de cuidados paliativos, existentes em ao menos 40 hospitais brasileiros. Destinados a doentes graves e incuráveis, esses locais não fazem procedimentos invasivos. Há apenas oxigênio, soro e remédios para evitar a dor. Para o juiz Roberto Luis Luchi Demo, da 14ª Vara da Justiça Federal no DF, que concedeu liminar a pedido do Ministério Público Federal, a ortotanásia, assim como a eutanásia, parece “caracterizar crime de homicídio, nos termos do artigo 121 do atual Código Penal”. Segundo ele, a liberação da ortotanásia não pode ser feita por uma resolução do CFM, mas somente por meio de uma lei federal. Hoje, tramita no Congresso um anteprojeto do novo Código Penal que descriminaliza a ortotanásia. “Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente ou, em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”, diz o inciso 4º do artigo 121 do anteprojeto. Já a eutanásia continuará sendo crime, com pena de reclusão de 2 a 5 anos. O CFM refuta qualquer semelhança entre ortotanásia e eutanásia (que é o ato de provocar a morte de alguém que esteja sofrendo doença grave). Para o médico Roberto D’Ávila, corregedor do CFM, a ortotanásia não antecipa o momento da morte, como acontece na eutanásia, mas permite a morte em seu tempo natural e sem uso de recursos que apenas prolongam o sofrimento do doente e da família. “A liminar não beneficia o paciente que opta por morrer dignamente em casa ou em enfermarias de cuidados paliativos”, diz ele. Polêmica sobre procedimento se arrasta há pelo menos 2 anos A polêmica em torno da ortotanásia é grande e se arrasta há pelo menos dois anos. Para o advogado Erickson Gavazza Marques, da comissão de bioética da OAB SP, a resolução do CFM, aprovada no ano passado, não tem amparo jurídico. “Vai contra o Código Penal. O CFM não tem o poder de legislar. Os médicos que seguem sua orientação podem ser acusados de omissão de socorro ou homicídio culposo.” Já o advogado Alberto Toron, conselheiro federal da OAB e professor de direito penal da PUC SP, defende o CFM. “Eu aplaudi e continuo aplaudindo. E penso que o conselho possa sim disciplinar essa matéria.” A médica oncologista Dalva Matsumoto, da Academia Nacional de Cuidados Paliativos, concorda: “Ninguém quer ver seu familiar sofrer, sentir dor”. A ortotanásia significa a retirada, sem sofrimento, de equipamentos ou medicamentos que sirvam para prolongar a vida de um doente. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) é a favor da ortotanásia por considerá la “a aceitação da condição humana diante da morte”. Ortotanásia evita estender sofrimento, afirma filha Com câncer, aposentado de 81 anos se recusou também a fazer cirurgias. Ele está numa hospedaria de cuidados paliativos da Secretaria Municipal de Saúde; “Aqui ele está bem, sereno, sem dor”, diz a filha Há quase três anos lutando contra um câncer do reto, o contador aposentado Alberto Mallagoli, 81, se recusou a fazer cirurgias para a retirada do intestino e de outras regiões afetadas pelo tumor. Também já disse que não quer ir para uma UTI e tampouco quer ser ligado a respiradores artificiais. No último sábado, as poucas palavras que disse à filha única, Mônica, 46, foram em tom de despedida. “Filha, acho que estou indo, está chegando a hora de partir”, conta Mônica, que acompanha o pai na hospedaria de cuidados paliativos da Secretaria Municipal da Saúde, onde ele está há 13 dias, após ter ficado outros 15 no hospital. A filha diz apoiar integralmente a decisão do pai. “Ele sempre foi um homem ativo. Não quero vê lo sofrer ainda mais em uma UTI, sendo mantido artificialmente. Aqui ele está bem, sereno, sem dor.” Mônica diz ser contra a eutanásia, defende a ortotanásia e não entende a confusão que a última vem provocando. “Jamais autorizaria qualquer procedimento que apressasse a morte do meu pai. Mas não quero que o entubem ou o reanimem se o coração dele parar. Quero que a vida dele siga o rumo naturalmente.” Desenganada Opinião semelhante tem a empresária Ana Maria Bastos Marin, 58. Quando a mãe foi desenganada por causa de um câncer de pâncreas que já havia atingido outros órgãos, a decisão da família e do médico foi de que ela não ficaria no hospital. “Minha mãe ficou um ano e meio em casa, não foi internada nem sentia dores porque foi bem cuidada. Sabíamos que não faltava tratamento.” Sua mãe só foi internada nos últimos cinco dias de vida, com falência dos rins. Ainda assim, não foi para a UTI. No quarto, pôde ser acompanhada de filhos e netos. “Minha mãe morreu bem, no meio da gente.” Para Ana Maria, lembrar a mãe dessa forma é bem mais fácil. “Ela não ficou cheia de tubos nem com a cara abatida, foi uma privilegiada. A forma como tudo foi conduzido fez diferença e foi muito importante para a minha família.” Da Assessoria de Comunicação do Cremepe. Fonte: Folha de São Paulo de 27.11.2007.

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