Técnica inédita de médicos brasileiros com células-tronco encerra a necessidade de aplicações nos diabéticos Dar-se ao luxo de comer chocolates de vez em quando. Almoçar, lanchar e jantar de forma moderada, sem ficar refém do relógio. E, por fim, dar adeus às aplicações de insulina. Pode parecer distante para muitos, mas o sonho de todo diabético já é realidade para um grupo de pessoas que se submeteu ao transplante das próprias células-tronco, tornando-se independente das aplicações de hormônio. A esperança é o resultado de um estudo brasileiro inédito no mundo, conduzido por médicos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP), durante quatro anos. E os números surpreendem: dos 23 pacientes, 20 abandonaram a insulina. O jovem Miguel Guerra Bretas, de 20 anos, é um deles. Quarto no mundo a fazer o transplante, em 2004, ele conta que a liberdade alimentar é o grande ganho. “A minha qualidade de vida é outra. Não estou preso a horários e muito menos àquela recomendação de comer isso ou aquilo. Além disso, não preciso aplicar duas, três vezes a insulina. Nem lembro mais dela”, conta. O alívio de Miguel é comemorado pelos médicos da USP, que não têm dúvidas de que o tratamento é um grande passo. “Mas ainda não é a cura”, alerta o endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, um dos autores do estudo. Publicado recentemente no Jornal da Associação Médica Americana (Jama, na sigla em inglês), o estudo começou em 2003, em Ribeirão Preto. Carlos Eduardo explica que o transplante só e feito em pessoas com diabetes tipo 1. “O tipo 2 é o mais comum, mas ele pode ser controlado com atividade física e regulamentação saudável. São mudanças de hábito. Além disso, o pâncreas de uma pessoa com esse tipo da doença produz insulina”, afirma, esclarecendo que, por sua vez, o tipo 1 surge quando o sistema imunológico – responsável por proteger o organismo contra infecções -, começa a agredir as células beta, produtoras do hormônio no pâncreas. Por isso, o transplante é feito somente em diabéticos do tipo 1, com a restrição de que o diagnóstico tenha sido feito há, no máximo, três meses. Quando soube que era diabético, Miguel procurou o tratamento. “Antes de ele saber que estava doente, seu pâncreas já estava sendo destruído pelo sistema imunológico. No entanto, não chegou ao ponto de destruição completa, mas ‘quase’. É esse ‘quase’ o ponto-chave para que o transplante tenha sucesso”, explica Carlos, que diz que, se Miguel esperasse mais tempo, suas células já estariam totalmente comprometidas. O paciente que se submete ao tratamento, que deve ter entre 12 a 35 anos, passa por duas fases. Na primeira delas, a mais branda, o enfermo recebe uma dose baixa de quimioterapia e a sua célula-tronco é coletada e congelada. Depois de 15 dias, ele retorna para a outra etapa. “Nesta ‘zeramos’ o sistema imunológico do diabético. São cinco sessões de quimioterapia, que causam mal-estar e queda de cabelo. A dose é comparada às de leucemia e há risco, mesmo que baixo, de infecção e até morte, já que a pessoa perde a imunidade”, destaca Carlos, dizendo que até hoje não houve casos de óbitos. Completada essa primeira etapa, as células-tronco do próprio paciente são injetadas no organismo. “É como se apagássemos o HD de um computador e ele se renovasse sem vírus nenhum. O sistema imunológico perde a memória e para de atacar as células betas”, explica. Com o novo fôlego, a produção de insulina é feita por aquelas células restantes, que foram “quase” destruídas. “O paciente dá adeus às aplicações”, comemora o médico, enfatizando que o “estudo visa proteger aquilo que ainda não foi destruído”. Reconhecendo que não é a cura, mas uma nova esperança, Carlos afirma que fazer o transplante em crianças é arriscado. “Imagina ‘zerar’ o sistema imunológico de um menino de 5 anos? É um risco alto”, assegura. Tratamento deve ser respeitado Miguel Bretas representa o sucesso e os desafios do transplante. Ele, que há quatro anos passou pelo tratamento, conta ter exagerou na dose ao perceber que o nível de glicose no sangue estava como o de uma pessoa normal. “Passei dos limites na alimentação. Voltei a ter boca seca, sede e emagrecer”, diz. Bretas teve que reaplicar o hormônio por mais dois meses. Em vez de reiniciar o tratamento ou realizar um novo transplante, o médico Carlos Eduardo receitou ao jovem o sitagliptina, medicamento aprovado para o tratamento do diabetes tipo 2. “Nunca tinham testado o remédio em um diabético do tipo 1. E foi uma grande descoberta, pois ele estimula as células betas a produzirem a insulina”, diz. A experiência deu certo para Miguel, que agora toma apenas um comprimido por dia. “Mas as aplicações acabaram. Hoje tenho qualidade de vida”, diz. De acordo com Carlos, a negligência de Miguel deve servir de exemplo para quem se submeta ao tratamento. “Os pacientes param com a insulina e esquecem que a medição da glicose tem que continuar. Como o índice fica em 100mg/dl, sabem que o pâncreas está produzindo o hormônio e relaxam. A alimentação, mesmo não tão restrita, é moderada”, alerta. O estudo recruta voluntários e testa formas menos agressivas para corrigir falhas no sistema imunológico. Os interessados devem ter entre 12 e 35 anos e até três meses de diagnóstico de diabetes tipo 1. O contato deve ser feito pelo endereço: ce.couri@yahoo.com.br.

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