26 de julho de 2016

*Matéria publica no jornal Correio da Paraíba, no dia 23 de julho de 2016

Há nove anos sem reajuste na tabela que paga os procedimentos pelo Sistema Único de Saúde, os únicos hospitais que realizavam cateterismo na capital (Dom Rodrigo e Monte Sinai) pararam de receber pacientes do setor público há quase três meses (80 dias). Com isso 550 pacientes deixaram de fazer a cirurgia. Essa fila é eletrônica, invisível aos olhos, já que a espera pela regulação ocorre em casa e não nas unidades de saúde, como antes. Os médicos hemodinamicistas estão atendendo apenas casos de urgência, emergência e angioplastia. Mas, este procedimento também pode deixar de ser feito, caso não haja a reposição das perdas. Não é uma paralisação temporária, a categoria só voltará a fazer as intervenções caso haja acordo. Por outro lado, as crianças que necessitam de cirurgia cardíaca estão conseguindo por meio do Círculo do Coração, no Hospital Arlinda Marques.

Bernardino Teixeira, representante da comissão dos médicos hemodinamicistas, explicou que o último reajuste da tabela foi em 2007 e apenas parcial. De lá para cá, mesmo com prejuízo, a classe continuou a atender em solidariedade aos pacientes. Porém, desde abril não realizam mais cateterismo eletivo pelo SUS. A não realização do procedimento agrava a saúde desses pacientes. “Nós não somos responsáveis por qualquer óbito, que venha a acontecer. A situação piora, porque a doença avança. Só estamos fazendo a angioplastia porque são pacientes com potencial de morte. Não queremos que o paciente pague com a vida por um problema de gestão pública. Em 2013 enviamos o primeiro ofício aos gestores e nada foi resolvido nesses três anos”, contou.

Para os hemodinamicistas, não vale a pena continuar a fazer os procedimentos. Eles estão expostos à insalubridade e riscos biológicos (sangue e secreções), físico (radiação), químico (gases inalados) e ergonômico (utilizam um avental de chumbo pesado, que causa problemas na coluna).

“Cerca de 70% dos colegas têm algum problema. O avental permite que 1% de radiação passe, o que causa câncer de testículos, pele e calvície. Não recebemos pelo sobreaviso, o que é ilegal. Ficamos disponíveis por 24h e comprometidos em chegar rapidamente ao hospital quando solicitados. Não podemos nos ausentar da cidade porque a disponibilidade é permanente. Fui chamado de madrugada, o carro furou pneu e não dava tempo trocar. Paguei R$ 40,00 de táxi para ir e o mesmo valor para voltar. Recebi pouco mais que R$ 90,00 depois de três meses. Fizemos um estudo até fevereiro deste ano e só de reposição de perdas de inflação seria necessário um reajuste de 137,13%. Isso para os médicos, o hospital também tem 100% de defasagem, que precisa pagar funcionários, materiais, medicamentos, despesas do procedimento e do acompanhamento na internação. Parte desse valor volta como tributo e o governo também teria vantagem, porque essas pessoas que estão incapacitadas de trabalhar oneram a previdência. Em Natal, há cinco anos já suplementam todos os procedimentos em 154,66%”, revelou o médico.

Instituto do Coração

O médico hemodinamicista Guilherme Mendes, que faz parte do Conselho Administrativo do Hospital Monte Sinai (Instituto do Coração) informou que a situação na unidade é semelhante ao que ocorre no Dom Rodrigo. “A decisão de paralisação foi conjunta, por conta da remuneração e déficit. O posicionamento do hospital é sempre o mesmo, aguardando negociação com gestores municipal e estadual para solucionar. A população é que sofre. A síndrome coronariana é a doença mais predominante que necessita do cateterismo. Estamos recomendando aos pacientes que estão na fila de espera que procurem outros estabelecimentos fora do eixo João Pessoa, mas, aí só tem Campina Grande. Aqui só podem buscar o Hospital Universitário”, afirmou.

Em crise

O diretor do Hospital Dom Rodrigo informou que o prejuízo pelos procedimentos pagos com déficit gerou uma crise financeira na instituição. Com isso, o contrato que está em vigor até setembro com o SUS não será renovado. “Estamos mantendo os serviços, mas, não podemos mandar nos médicos. Eles paralisaram. São autônomos, só recebem através do hospital, mas não têm vínculo empregatício. Esse modelo imposto pela secretaria dificulta. Todos os estados e municípios em gestão plena já complementam a tabela. A Paraíba que é gestão bipartite não. A angioplastia ainda dá para trabalhar, porque o médico recebe à parte”, afirmou Francisco Santiago.

Angioplastia

No ano passado, João Pessoa realizou 610 angioplastias (63 a mais que o planejado). Os procedimentos custaram R$ 3,7 milhões. Em Campina Grande, ocorreu o contrário, foram 103 (240 a menos que o planejado). O gasto foi de R$ 479.910,00. A gerente operacional do Complexo Regulador Estadual, Luciana Suassuna, explicou que dos cinco hospitais com leito cirúrgico, só três fizeram cirurgias desde o ano passado. “Dos hospitais que têm leito cirúrgico, apenas o SAS, a Clínica Dom Rodrigo e o Instituto do Coração tiveram produção em 2015 e 2016. O Hospital Regional de Emergência e Trauma Dom Luiz Gonzaga Fernandes, Hospital Arlinda Marques, Hospital Universitário Lauro Wanderley e Hospital Universitário Alcides Carneiro UFCG, também tiveram produção nos referidos anos, no entanto não possuem leito cirúrgico, mas como a produção foi de um ou dois procedimentos em cada hospital pode ter sido alguma urgência”, esclareceu.

Sem contato

O Complexo Regulador da Paraíba informou que a fila de espera e produção de cirurgias só podem ser informadas pelo município que executa. A reportagem do Jornal Correio solicitou há alguns dias os dados às secretarias municipais de saúde de João Pessoa e Campina Grande, os únicos que fazem os procedimentos, porém, até o fechamento desta edição não houve resposta.

Crianças com nova vida

Se por um lado, os adultos estão tendo dificuldades de realizar procedimentos cardíacos na rede pública. As crianças estão conseguindo nova vida através do Círculo do Coração, da Rede de Cardiologia Pediátrica na Paraíba. A caravana (03 a 16 de julho) esteve em 13 municípios fazendo triagem, diagnóstico e manejo terapêutico. Foi dessa forma que Rafaela de Lima, seis anos, pode fazer a cirurgia há 45 dias no Hospital Arlinda Marques. A mãe, Patrícia Bronzeado, relembra o drama que viveu. “Fiquei perturbada quando a médica disse que ela tinha uma abertura no coração e já estava grande, não poderia esperar muito, pois, ela poderia enfartar. Tive que me afastar do trabalho para cuidar dela. Temos histórico na família. Minha tia e avó morreram com problemas cardíacos e minha mãe também tem”, narrou a auxiliar de serviços gerais.

“Ela sentia cansaço, não engordava, tinha dificuldade para respirar. Hoje ela está mais forte, não se cansa, vai poder ter uma vida normal e brincar como toda criança. Coisa que ela já não fazia. Andava pouco e começava a chorar, sentindo fraqueza, pedindo colo. Ela ficou com medo da cirurgia, mas disse ‘mamãe se é pra ficar boa eu vou fazer’, viemos de Guarabira”, contou Patrícia.

A pequena Ana Paula, de cinco meses, ainda vai passar pela cirurgia na próxima semana. A mãe ainda está confusa em relação ao problema da filha caçula, mas, está confiante. A primeira viagem de mãe e filha à capital, distante 480 km de Uiraúna, onde elas moram na zona rural, extremo oeste do Estado. “Fiquei surpresa. Tive um pré-natal normal, mas, quando ela nasceu disseram que ela tinha uma veia jogando sangue só para um lado. Não entendi direito, só confio que vai dar tudo certo. Pensei se ela teria uma vida normal. Não é bom ficar tanto tempo longe de casa. Sinto saudade e me preocupo com meus dois filhos que ficaram lá. Tive que vir sozinha, porque meu marido tem que cuidar deles”, relatou Dayane Oliveira da Silva, mãe.

SPC preocupada

O vice-presidente da Sociedade Paraibana de Cardiologia, Lenine Ângelo, afirmou que a SPC está preocupada com a interrupção do serviço. “A gente entende a paralisação como danosa ao serviço público e cobra diretamente dos gestores celeridade no sentido de retomar o atendimento à população. É uma realidade extremamente preocupante. Quando o paciente deixa de ser atendido em algo que traga risco potencial à vida, nenhuma questão burocrática pode ser maior. A doença pode se manifestar com enfarte e outras complicações. O prejuízo é local, mas, se estende a outras cidades. Tudo o que acomete o coração, principalmente as coronárias, que gera risco de enfarte, insuficiência cardíaca, tem que passar pelo cateterismo. É a fase final do diagnóstico ou inicial do tratamento”, declarou.

Valores para hospitais

Cateterismo: R$ 614,00 (Repassado pelo SUS)

Angioplastia: R$ 1.200,00 (Repassado pelo SUS)

R$ 3 mil é o valor cobrado pelo cateterismo por convênio ou particular, mais de 300% a mais do que o repassado pelo SUS.

220 cateterismos eletivos deixaram de ser atendidos a cada mês.

45 angioplastias eletivas são feitas por mês.

R$ 199 mil de suplemento mensal seriam necessários para cobrir a quantidade de plantões e volume de procedimentos.

R$ 122,00 é pago aos médicos por cada cateterismo

R$ 411,07 é o pago aos médicos pela angioplastia

Mortes por doenças cardíacas na Paraíba

2006 – 4.555

2007 – 5.138

2008 – 5.106

2009 – 5.126

2010 – 4.938

2011 – 5.302

2012 – 5.436

2013 – 5.457

2014 – 5.356

2015 – 5.331

2016 – 2.331

*Fonte: SES-PB/GEVS/GORR/SIM

54.076 paraibanos morreram com problemas cardíacos nos últimos 10 anos na Paraíba (1 a cada 1,6h).

Hospitais com leitos cirúrgicos SUS

João Pessoa

Dom Rodrigo: 20

Instituto do Coração (Monte Sinai): 11

Campina Grande

Clipsi: 1

Antônio Targino: 1

João XXIII (SAS): 11

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