01 de agosto de 2011
O atendimento aos pacientes renais enfrenta problemas na Paraíba: faltam nefrologistas, unidades de terapia renal substitutiva (hemodiálise e diálise peritonial), culminando com um diagnóstico tardio e óbitos precoces. Para se ter uma ideia, enquanto o Brasil tem uma média, ainda deficitária, de um profissional para cada grupo de 61.785 habitantes, o Estado apresenta uma proporção mais que duas vezes pior, tendo um profissional para 144.878 paraibanos.

Os dados foram revelados pelo Censo Brasileiro de Diálise, realizado em 2010 pela Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), que apontou que a Paraíba conta com apenas 26 nefrologistas para atender um público de pacientes renais crescente. Embora o Ministério da Saúde (MS) não disponha do número de doentes renais por Estado, somente em João Pessoa, conforme o diretor de regulação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Alessandro de Souza, há 464 usuários em terapia renal substitutiva nos serviços conveniados do Sistema Único de Saúde (SUS).

A reportagem também buscou os números com a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde (SES), que  informou que eles deveriam ser solicitados à Secretaria de Comunicação (Secom). A diretoria de jornalismo da Secom, por sua vez, informou que iria verificar se a SES possui os dados, mas, até o fechamento desta edição, e após vários telefonemas, não deu retorno quanto à demanda.

Ainda conforme o estudo da SBN, a proporção de nefrologistas na Paraíba também está bem abaixo do percentual nordestino, que é de um  especialista para cada grupo de 97.758 moradores. Como consequência de tudo isso aparece a dificuldade dos pacientes, sobretudo aqueles que utilizam o SUS, em conseguir atendimento especializado e ter um diagnóstico preciso e precoce. Segundo o  presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Daniel Rinaldi, a maioria passa pela rede de atenção básica (Unidades de Saúde da Família) e  a secundária (ambulatórios de especialidades) sem um diagnóstico.

“Aí o paciente renal acaba entrando na porta de emergência dos hospitais já com a  disfunção renal e precisando de hemodiálise”, afirmou o especialista, comentando que dos mais de 92 mil pacientes em hemodiálise, atualmente, no país, 80% não tiveram acesso ao tratamento com o nefrologista.  Além disso, Daniel enfatizou que ao longo dos anos o número de pacientes renais crônicos tem diminuído porque eles têm falecido antes mesmo de entrar na diálise.

Somente em 2009, segundo dados mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Saúde (MS), 267 pessoas morreram por complicações renais, na Paraíba. Em 2005 havia sido 256 óbitos. Um crescimento que pode ser considerado pequeno (4,1%), mas que é preocupante levando em conta que com o tratamento adequado o paciente renal pode ter longevidade. Conforme os números da SBN, em nível nacional,  nos últimos dez anos houve um crescimento de 38% na taxa de mortalidade dos renais. Nesse período foram registrados 16,5 mil óbitos.

“Muitos amigos meus faleceram porque consultavam-se com o médico, e não só do SUS, e ele dizia que era problema de coluna, de coração, ou qualquer outro, enquanto o diagnóstico era a insuficiência renal. Inclusive essas pessoas foram tratadas para ‘curar’ esses outros problemas, ao invés do real”, afirmou Antônio Heliton, presidente da Associação dos Renais Crônicos e Transplantados e Doadores da Paraíba (Renais-PB).

Ainda segundo o presidente da SBN,  Daniel Rinaldi, o diagnóstico da disfunção renal é simples, basta o exame de creatitina (realizado no sangue e na urina), que está disponível na rede pública. É recomendado que todas as pessoas realizem o teste anualmente, sobretudo aquelas que têm predisposição genética para desenvolver problemas renais, ou quem apresenta algum dos fatores de risco, como diabetes, hipertensão, histórico de ingestão de álcool e prática de tabagismo.

Daniel enfatiza, ainda, que os problemas renais não apresentam muitos sintomas – mais um dos contribuintes para o diagnóstico tardio. Quando eles aparecem podem ser: mal-estar geral, anemia, inchaço, pressão alta constantemente, ou seja, sinais inespecíficos. Dos mais de 5.500 municípios brasileiros, apenas cerca de 350 têm nefrologista, conforme a SBN.

 

Serviço de hemodiálise também é insuficiente, segundo dados da SBN

Os problemas na assistência ao paciente renal não se resumem à falta de nefrologistas e dificuldade de acesso ao atendimento especializado. O número de unidades que oferecem os serviços de hemodiálise aos renais crônicos também é insuficiente, totalizando oito em todo o Estado, segundo apontou estudo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), realizado em 2010. Contudo, conforme dados da diretoria da Central de Transplantes da Paraíba, o aparato para atender os renais seria bem maior: 12 unidades oferecendo o serviço, sendo todas elas privadas e algumas conveniadas com o SUS (a Diretoria da Central não pôde informar quantas). Segundo os dados da Central, João Pessoa e Campina Grande concentram o maior número, sendo quatro unidades em cada cidade, mas também há o atendimento em Guarabira (1), Sousa (1), Patos (1) e Cajazeiras (1).

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), Daniel Rinaldi, “sabemos que 90% dos pacientes que estão no programa de hemodiálise o fazem pelo SUS. Os planos de saúde, em sua maioria, não cobrem esse serviço, além  de não remunerar os especialistas de forma adequada. As próprias clínicas não querem investir, porque é necessário uma alta quantia e o parque tecnológico está sucateado”.

Na capital paraibana, conforme o diretor de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Alessandro de Souza, as quatros unidades habilitadas estão atendendo pelo SUS, totalizando 464 usuários e 4.369 sessões de hemodiálise realizadas mensalmente. “Do total de pacientes, 250 são de João Pessoa (53,8%) e 214 (46,12%) são de outros municípios. Ao todo, são 64 municípios que têm referência em hemodiálise na capital. Eventualmente, também atendemos os usuários em trânsito. Somente no ano passado, foram investidos, aproximadamente, 9, 816 milhões em recursos do SUS para o tratamento de renais”, afirma.

Quanto ao número de nefrologistas na rede municipal, Alessandro revela que são cinco atuando na atenção aos adultos: no Hospital São Vicente de Paula (2), Centro de Atenção Integral à Saúde de Jaguaribe (1) e Hospital Universitário Lauro Wanderley (2). Já os pacientes renais infantis contam com dois especialistas, sendo um no São Vicente e outro no HU.

“Ao todo, fazemos 1,2 mil consultas mês, atendendo tranquilamente à demanda”, frisou Alessandro de Souza, informando que a atenção primária e secundária de saúde é de responsabilidade de cada município.

 

Transplantes de rim estão parados em JP

Os transplantes de rim estão parados em João Pessoa desde o início do ano, conforme informou o presidente da Associação dos Renais Crônicos e Transplantados e Doadores da Paraíba (Renais-PB), Antônio Heliton. Ele disse, ainda, que no próximo dia 10 de agosto os representante da Renais-PB se reúnem com a secretária de Estado da Saúde e autoridade do Ministério Público da Paraíba (MP-PB), justamente para deliberar sobre a assistência aos pacientes no Estado.

Está dentro das reivindicações a abertura de mais ambulatórios para acompanhamento pré e pós-cirúrgicos dos transplantados. Uma unidade que funcionava na Central de Transplantes, no bairro Treze de Maio, na capital, e dava todo suporte de exames e acompanhamento aos pacientes, está desativada. “O único ambulatório que dispomos hoje é o do São Vicente de Paula”, afirmou o presidente da Renais-PB.

Dados consolidados em maio mostram que pelos menos 315 pacientes estão na fila de espera por um rim, na Paraíba, conforme informações  da  diretora da Central de Transplantantes da Paraíba, Gyanna Liz.

Ainda segundo Gyanna, a realização do procedimento está interrompido na capital, porque nas duas unidades que estavam credenciadas, Hospital São Vicente de Paula e Unimed, houve atrasos na renovação da ‘permissão’.

No primeiro, as equipes médicas já solicitaram o recredenciamento (que tem de ser feito a cada dois anos), a documentação foi para o órgão competente em Brasília e só falta a publicação no Diário Oficial da União. Quanto à Unimed, Gyanna Liz afirmou que “estamos esperando que eles solicitem o recredenciamento”. A assessoria de imprensa da unidade de saúde, por sua vez, afirmou que o hospital continua autorizado a realizar os transplantes, que não estão acontecendo por problemas burocráticos entre a equipe médica e a Secretaria de Estado da Saúde (SES).

Em se tratando dos serviços ambulatoriais de acompanhamento, Gyanna destacou que, conforme a lei, as unidades de saúde que realizam o procedimentos são obrigadas a dispor de toda a estrutura necessária para assistir ao paciente. “O espaço na Central de Transplantes, que está desativado, continua com toda a estrutura. Só não está funcionando porque a equipe médica decidiu não mais atender lá”, completou. (CA)

 

Unidades de saúde precisam de médicos

Um dos motivos que ‘explicam’ a falta de especialista em nefrologia na Paraíba e em todo o Brasil é o desinteresse dos recém-formados pela área. Foi o que apontou Joaquim Paiva Martins, diretor de Arte e Cultura do Sociedade Brasileira de Nefrologia– Seccional Paraíba (SBN). Ele enfatizou que a especialidade não tem sido muito atrativa para os médicos porque “a única maneira que se tem de ganhar dinheiro na área é oferecendo o serviço de hemodiálise, que é caríssimo para montar”. Uma única máquina chega a custar de R$ 40 mil a R$ 50 mil.

Além disso, o médico afirma que para se formar nefrologista é preciso bastante preparo: seis anos de graduação, mais residência, curso de especialização e, de preferência, doutorado. “Isso soma uns dez anos de estudos para ter a formação adequada”, comenta Joaquim, que possui uma clínica privada na capital e também atende no hospital particular São Vicente de Paula.

“Na unidade nós estamos precisando de pelo menos mais quatro especialistas para atender à demanda”, comenta. Conforme Joaquim, somente no São Vicente há 300 pacientes renais crônicos, 90% deles atendidos pelo Sistema Único de Saúde. “O volume é grande, pois nós atendemos quase todo o Estado. Há necessidade de nefrologistas é real. A residência só existe no Sul do país, mas a procura diminuiu muito”, revela.

Fonte: Camila Alves do Jornal da Paraíba

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