“O conhecimento clínico fundamentado pelas evidências científicas são nosso alicerce de tratamento”

Trabalhar na área da saúde no momento da maior pandemia do século tem sido um grande desafio para os profissionais deste setor, sobretudo para os médicos que estão na linha de frente, lidando diretamente com os pacientes acometidos pela Covid-19. “Gerir um cenário novo, associado a todas as dúvidas inerentes ao processo e a busca de informação consistente para embasamento de condutas e elaboração de estratégias terapêuticas e organizacionais foi muito desgastante, nos primeiros meses”, ressaltou o médico intensivista Paulo Gottardo, médico diarista da UTI do Hospital Nossa Senhora das Neves, em João Pessoa, Consultor do Hospital da Polícia Militar General Édson Ramalho e professor dos Cursos de Medicina da Unipê e da Famene.

Aos 36 anos, com Residência em Clínica Médica e em Medicina Intensiva (UFPB), Titulado em Medicina Intensiva pela Associação Brasileira de Medicina Intensiva (AMIB) e Mestrado em Medicina (Universidade de Lisboa), Paulo conta nesta entrevista sua experiência como médico em um dos hospitais particulares de João Pessoa, referência no tratamento da Covid-19. Fala dos desafios de conciliar trabalho e família, do medo de ser um vetor da doença dentro de sua própria casa, do isolamento social, fakenews, além da dicotomia que a Ciência vem enfrentando: “nunca se produziu tanto em tão pouco tempo, mas também nunca se produziu tanto material irrelevante e com tantos vieses”.

Mesmo com tantas informações, ele ressalta que “o conhecimento clínico fundamentado pelas evidências científicas sempre serão o nosso alicerce de tratamento”. Apesar das dificuldades, Paulo Gottardo vê o atual momento com otimismo e mais tranquilidade. “Estamos agora buscando uma nova normalidade, em um cenário mais calmo e controlado. Contudo, foram meses de grande provação, com extremo desgaste físico e mental”, disse.


Como tem sido a experiência de trabalhar como médico na pandemia?
No atual momento, buscando uma nova normalidade, em um cenário mais calmo e controlado. Contudo, foram meses de grande provação, com extremo desgaste físico e mental. A condição de gerir um cenário novo, associado a todas as dúvidas inerentes ao processo e a busca de informação consistente para embasamento de condutas e elaboração de estratégias terapêuticas e organizacionais foi deveras desgastante. Isso tudo associado a sobrecarga de trabalho pelo número até então inimaginável de pacientes críticos gravemente enfermos e da necessidade de otimização de recursos para os mesmos; o que foi ainda mais impactante pelo quantitativo de colegas que adoeceram e que por conseguinte levaram a necessidade iminente de reposição, para cobertura de escala. Ter trabalhado durante todo o tempo em uma estrutura hospitalar que proporcionou condições adequadas e número suficiente de insumos tornou possível ao menos a garantia de um atendimento digno para as pessoas que tive oportunidade de acompanhar, o que amenizou de modo significativo todo esse desgastante contexto.

 

Quais são os principais desafios?
A garantia de uma tratamento adequado, baseado em evidências concretas, com embasamento fisiopatológico, associados a uma avaliação constante de cada paciente para poder adaptar cada conduta conforme a apresentação e a progressão da doença em cada um desses indivíduos. Acredito que esse seja o principal desafio. Pois apesar de ser uma síndrome muito peculiar, a forma que ela se manifesta tende a ser muito heterogênea e a individualização do cuidado é fundamental. Nesse sentido, no momento em que estamos diante de uma pandemia, muitas vezes conseguir proporcionar esse cuidado é um desafio sem precedentes. Sobretudo, para aqueles que tiveram que lidar com escassez de recursos.

Como o sr concilia o trabalho e a família?
O isolamento social tem sido um desafio deveras amargo para toda a sociedade. Todos nós tivemos obviamente dificuldades para conciliarmos nossa atividade laboral com a familiar. O medo constante de poder ser um potencial vetor dentro de sua própria casa, com certeza abalou a todos os profissionais de saúde. A minha experiência pessoal não diferiu nesse cenário. Contudo, como meus pais, minha avó, meu irmão, minhas sobrinhas, tios e primos encontram-se no outro extremo do Brasil (Rio Grande do Sul), o distanciamento tem sido ainda maior e proporcionalmente as devidas preocupações com aqueles que são populações de risco (meus pais, tios e minha avó). Contudo, a presença sempre constante da minha esposa, apoiando-me e dando o respaldo necessário para que eu conseguisse manter uma sanidade mental adequada e seguisse em frente em todas as minhas atividades. Isso tudo obviamente fortaleceu ainda mais os nossos vinculos familiares, que passaram a possuir um patamar ainda mais relevante em nossas vidas.

Há muita desinformação e fakenews sobre a Covid-19?
Mais preocupante do que o fato de haver fakenews sobre um tema tão impactante na nossa sociedade é o fato de muitas delas serem endossadas e propagadas por colegas médicos. A ciência vive uma dicotomia sem precedentes: nunca se produziu tanto em tão pouco tempo, mas também nunca se produziu tanto material irrelevante e com tantos vieses como nesse momento. Obviamente se até mesmo pessoas que são formadoras de opinião propagam esse tipo de informação, fica muito difícil haver um controle e um direcionamento social adequado sobre o que temos de concreto baseado em evidências.

Diante de tantas incertezas da doença, como passar segurança aos pacientes e tratá-los da melhor forma possível?
No tocante dos pacientes graves que são encaminhados para à UTI, apesar de estarmos diante de uma síndrome recentemente identificada, os problemas que enfrentamos não são nada novos. Em geral, ainda estamos diante de uma infecção com disfunção de órgãos (sepse), que tem um comprometimento endotelial importante, com alterações micro e macrovasculares, associadas a um processo de alteração neurohumoral importante. O suporte adequado do paciente considerando tais fatos não difere em demasia do que sempre fizemos, tanto do ponto de vista hemodinâmico como ventilatório. Essa segue sendo a melhor forma possível de tratar qualquer paciente, conferindo um suporte adequado e individualizado para as necessidades que cada um apresentar, sempre com base em uma monitorização adequada e na adoção de medidas preventivas direcionadas. O conhecimento clínico fundamentado pelas evidências científicas sempre serão o nosso alicerce de tratamento.

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