Sujeira espalhada pelo chão, materiais utilizados em procedimentos médicos acondicionados em locais inapropriados, lixo hospitalar sendo queimado próximo às enfermarias, ferrugem nos equipamentos, moradia de animais e até de pessoas desabrigadas. Como se não bastasse esse cenário que caracteriza a falta de condições de funcionamento, muitos pequenos hospitais e postos de saúde localizados em cidades do interior do Estado não dispõem de equipamentos necessários, equipe médica e infraestrutura adequada para acomodar os pacientes. Alguns apresentam situação tão crítica que precisam ser fechados, última medida tomada pelos órgãos fiscalizadores. Nos últimos quatro anos, pelo menos 16 unidades de saúde sofreram interdição ética por apresentar situações de risco para a população, segundo o relatório do Conselho Regional de Medicina na Paraíba (CRM-PB). Nesses casos, houve também fechamento de alguns setores e até mesmo de todo o estabelecimento, de acordo com a gravidade das falhas identificadas. A punição emitida pelo conselho atinge apenas a classe médica, ou seja, os procedimentos de interdição barram somente o exercício do médico naquela instituição. O poder de polícia para fechar o hospital, impedindo que as instalações permaneçam em funcionamento, está nas mãos das agências ou gerências de vigilância sanitária. Mas a tarefa de chegar, verificar as irregularidades e, se for o caso, determinar que o hospital baixe as portas é bastante complexa. A afirmação tem como base as estimativas da Agência Estadual de Vigilância Sanitária (Agevisa), responsável pela autorização de funcionamento e pela fiscalização dos estabelecimentos de saúde localizados em 222 municípios paraibanos (em João Pessoa, a inspeção é feita pela gerência municipal). Segundo a diretora técnica de serviços de saúde, Fátima Marinho, se levar em consideração as determinações previstas na legislação, 80% dos hospitais da Paraíba seriam interditados. “Não podemos levar ao pé da letra, porque se formos fechar, como vai ficar a população? Se os serviços já são deficientes, imagina se os poucos forem suspensos. Mesmo que seja por pouco tempo, não haveria condições para essa medida”, avisa. Segundo o diretor de fiscalização do CRM-PB, Eurípedes Mendonça, estão registrados no órgão 16 casos em que foram detectados problemas graves nas unidades médicas, entre 2005 e 2009, a ponto de chegar à interdição. A maior parte ocorreu em hospitais públicos municipais, mas existem exemplos de instituições privadas. Em todos esses municípios, a população carente foi penalizada com a falta de atendimento e precisou se deslocar para outras localidades, distantes até centenas de quilômetros. “Após visitar o local e constatar o problema, o CRM interdita eticamente o médico (nossa atribuição). Com isso o profissional está proibido de exercer naquele lugar. Como a atividade médica é uma das principais de um hospital, supõe-se que fica difícil continuar funcionando. Mas quem fecha, de fato, é a vigilância sanitária”, avisou. Um dos casos mais recentes identificados pelo conselho se refere ao hospital do município de Cachoeira dos Índios. Com o fechamento, uma população estimada em onze mil pessoas ficou sem atendimento. “Nesse caso, foi fechado porque não tinha condições de infraestrutura, além de péssima higiene. Detectamos a presença de gatos e cachorros morando lá. Encontramos até uma moradora de rua no local e até roupas íntimas estendidas em corda improvisada”, lamenta o diretor. Na lista de irregularidades do hospital de Cachoeira dos Índios, aparecem a precariedade dos equipamentos. A mais grave delas, conforme Mendonça, foi detectado na central de esterilização, que estava sem os instrumentos necessários. “Ela é fundamental para impedir a ocorrência de infecção hospitalar entre os usuários do serviço. Todo procedimento que provoque sangramento é passível de infecções”, avisa. Hoje, o hospital está passando por uma completa reforma e deve ser entregue todo estruturado à população do município. Hospitais são fechados por setores para não prejudicar o atendimento a Agevisa não dispõe de relatório que mostre a quantidade de hospitais interditados nos últimos anos. “Não temos como repassar essas informações, até porque algumas intervenções são aplicadas somente em determinados setores da unidade”, esclareceu a diretora técnica Fátima Marinho. Fátima disse que não existem muitos casos de fechamento dos hospitais, no entanto, quase a totalidade dos estabelecimentos de pequeno porte não apresentam estrutura para prestar um atendimento considerado adequado. “Não tem como fechar todos os que estão em situação precária, pois nessas unidades é prestado pelo menos o serviço ambulatorial, e procedimentos mais simples como vacinação, exames de sangue, aferição de pressão e curativos. A população ficaria sem assistência nenhuma e iria encharcar os estabelecimentos que estivessem aptos para funcionar”, explica. O diretor de fiscalização do CRM, Eurípedes Mendonça, compartilha do mesmo posicionamento. Para ele, precisaria haver uma intervenção mais extrema, como a interrupção completa dos serviços, já que na grande maioria dos casos foram identificadas graves falhas no serviço. “Entretanto, não há como interromper todos os procedimentos, pois haveria um transtorno enorme para a população dessas localidades e uma superlotação nos hospitais das cidades maiores, como João Pessoa e Campina Grande”, justifica. Fátima Marinho destacou que as interdições acontecem somente em casos de risco na qualidade dos procedimentos, e que podem levar a perigosas consequências para os usuários. “Digamos que em um hospital geral estejam ocorrendo problemas na lavanderia, mas o ambulatório está adequado. Então, vamos interditar apenas o setor”, informou. Portanto, a interdição somente acontece quando se detecta quando a estrutura física está comprometida, com vazamentos, infiltrações nas paredes, ou quando faltam médicos, enfermeiros e pessoal necessário para que as atividades ocorram dentro das normas estabelecidas pelo Ministério da Saúde. A falta de equipamentos também pode levar ao fechamento parcial. “Não garantir atendimento médico em todo o horário de funcionamento consiste em uma falta grave, inaceitável, uma das causas que resultam na interdição total da unidade”, diz Mendonça. Segundo Fátima Marinho, as fiscalizações em estabelecimentos de saúde acontecem rotineiramente e abrangem desde clínicas privadas até hospitais de alta complexidade. A inspeção pode ser propiciada por denúncias de pacientes, órgãos como CRM e Conselho Regional de Enfermagem (Coren), além do próprio Ministério Público do Estado. Para iniciar as atividades, a instituição de saúde precisa requerer o alvará de funcionamento emitido pela Agência Estadual de Vigilância Sanitária ou pelas gerências de vigilância sanitária nos municípios, caso estejam autorizadas a executar as ações de inspeção nesses estabelecimentos. Atualmente, constam no registro da Agevisa um total de 18 unidades, entre públicos, privados e de caráter filantrópicos, que possuem obstetrícia, urgência, UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e capacidade para realização de cirurgias de grande porte. Em relação àquelas de menor complexidade, são cerca de 140 em todo o Estado. No entanto, a diretora técnica estima que o número seja bem maior. Isso significa que várias estão em situação irregular. À exceção de João Pessoa, cuja gerência municipal passou a inspecionar os 22 hospitais da cidade, todos os demais estão a cargo da Agência Estadual de Vigilância Sanitária. Ao se observar as falhas, a equipe da vigilância sanitária estabelece um prazo (30, 60 ou 90 dias, conforme a situação). “Caso não seja regularizado, notificamos para que o gestor do hospital providencie o cadastramento em no máximo dez dias”, esclarece Fátima. Apesar de inspeções, problemas persistem A promotora de Saúde Maria das Graças Azevedo reconheceu que, mesmo com as inspeções e a atuação para impedir que as irregularidades persistam, tem sido difícil sanar as falhas nas unidades hospitalares da Paraíba. O trabalho conjunto entre o Ministério Público Estadual (MPE), órgãos de vigilância sanitária e entidades como Conselho Regional de Medicina e Conselho Regional de Enfermagem servem para minimizar os dados à população e elevar a qualidade da saúde dos paraibanos. Ao constatar o problema, o MPE envia um ofício comunicando a irregularidade para os órgãos competentes. “Em muitas situações, firmamos um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e estabelecemos um prazo para que o gestor siga as orientações repassadas. Se for considerado grave, pedimos a concessão de tutela antecipada, mesmo com o processo em tramitação, a fim de que as irregularidades sejam sanadas. Afinal, o paciente não pode ser penalizado, ficando sem atendimento até a conclusão do caso”, avisa a promotora de saúde. Na capital, foram interditados o Hospital Arlinda Marques e o Santa Isabel, nos últimos dois anos, no entanto, em todos fizeram as adequações solicitadas e normalizaram as atividades. De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Saúde, todos os hospitais municipais de João Pessoa estão passando por reformas ou outras medidas para promover melhorias no atendimento. O diretor administrativo do Hospital Regional de Guarabira, Albino José Soares, explicou que em 2005 a Unidade de Terapia Intensiva da unidade sofreu uma interdição, mas atualmente o setor de hemodiálise é o único setor que está com os serviços parados, sem previsão de início para o funcionamento. Por conta disso, o tratamento de cerca de 20 pacientes da região do Brejo é feito em João Pessoa ou Campina Grande “Na época as deficiências foram: número insuficiente de enfermeiros e falta do aparelho de raio X, resolvidas em cerca de uma semana pela então administração do hospital”, assegurou. (JS) Ambiente inadequado facilita infecções As consequências da falta de assistência não são maiores do que os riscos que os pacientes correm ao serem atendidos em um ambiente sujo, com instalações comprometidas, precária estrutura, sem medicamento e equipamentos ou mesmo sem a presença de médicos e enfermeiros. O diretor de fiscalização do CRM-PB, Eurípedes Mendonça, disse que em ambientes como esses aumentam em muito os riscos de os pacientes adquirirem uma infecção hospitalar, de difícil tratamento. “É bem diferente das infecções comunitárias. Aquela contraída no hospital tem bactérias muito resistentes aos antibióticos, sendo mais fortes, porque sofrem mudanças genéticas. Só sobrevive se tomar medicações mais potentes, e somente quando se descobre qual o causador daquela infecção. Muita gente morre de infecção hospitalar e as pessoas nem descobrem qual foi a causa”, alerta Mendonça. Em um dos quatro postos de saúde de Jacaraú a situação também era caótica. “O prédio estava em condições horríveis, todo danificado”, descreve. Eurípedes disse ainda que os equipamentos estavam enferrujados, não havia acessibilidade, e a sala de esterilização (fundamental para evitar contaminação) não tinha estrutura adequada. A denúncia partiu do Ministério Público do Estado, através do promotor da cidade. As atividades foram canceladas e os pacientes serão encaminhados para um outro posto de saúde. Apenas este ano, o Conselho Regional de Medicina da Paraíba comandou 127 fiscalizações em diversos municípios do Estado em locais de atuação de médicos, de hospitais a asilos. De acordo com o registro do CRM-PB, as intervenções aconteceram em: Cajazeiras, Congo, Cubati, Barra de Santa Rosa, Cachoeira dos Índios, Campina Grande, João Pessoa, Guarabira, Gurjão, Santa Isabel, Livramento, Quixaba, Mamanguape, São João do Cariri, Serra da Raiz e Teixeira. “O montante envolve instituições filantrópicas e privadas”, destaca Eurípedes Mendonça. Para o presidente da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), Rubens (Buba) Germano, faltam políticas públicas para a área de saúde e os gestores sofrem para manter hospitais equipados (desde estrutura física até recursos humanos). “Qual o município que pode manter um anestesiologista, por exemplo, trabalhando em um hospital de baixa complexidade?”, questiona. Na opinião dele, deveriam ser formalizados pactos mais consistentes entre os entes federados, a fim de promover ações que ampliem a qualidade da saúde. (JS) Data: 02/11/2009 Seção: Cidades Veículo: Jornal da Paraíba

Spotify Flickr Facebook Youtube Instagram
Aviso de Privacidade
Nós usamos cookies para melhorar sua experiência de navegação no portal. Ao utilizar o Portal Médico, você concorda com a política de monitoramento de cookies. Para ter mais informações sobre como isso é feito, acesse Política de cookies. Se você concorda, clique em ACEITO.