“Somente a ética e a solidariedade poderão evitar a destruição do ser humano e do planeta”
Dra Vilma Lúcia Fonseca Mendoza

Ultrapassar o limite, estar à frente de seu tempo, transgredir, mudar, inovar. Palavras e expressões que se encaixam perfeitamente à psiquiatra Vilma Fonseca Mendoza, que foi contra os estereótipos de sua geração, formou-se em Medicina na Universidade Federal de Pernambuco, no início da década de 70, fez Especialização em Psiquiatria na Espanha, trabalhou na Alemanha e fincou raízes na Paraíba.

Em Campina Grande entrou para a vida Acadêmica, onde exerceu papel de fundamental relevância para a formação de diversos profissionais e para o desenvolvimento da Universidade. Na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) foi diretora do Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), Pró-Reitora de Assuntos Comunitárias, criou o primeiro Mestrado em Medicina da universidade e atua, até hoje, como professora. Atualmente também atende pacientes em seus consultórios em Campina Grande e em João Pessoa, além de ser avaliadora dos Cursos de Medicina dos países do Mercosul. Na Semana do Médico 2020, promovida pelo CRM-PB, Vilma Mendonza foi uma das profissionais homenageadas e recebeu a Comenda Genival Montenegro Guerra.

O currículo é longo, o bom humor e a delicadeza são constantes e a energia para trabalhar está sempre presente. Na entrevista a seguir, ela fala sobre sua trajetória profissional e pessoal, e ressalta que responde sobre tudo, menos a idade. “Quando perguntam minha idade, respondo que tenho um pouquinho mais do que parece e muito menos do que desejariam minhas amigas”, disse. É casada com um empresário espanhol, mãe de dois filhos advogados e professores e avó de três netos. “Avó, não. Eles me chamam de ‘vivi’. Menino que me chamar de avó, eu belisco e dou cascudo”.

A sra se formou em Medicina em Pernambuco e foi para a Europa fazer cursos de especialização e trabalhar. Quando e como chegou à Paraíba?
Imediatamente depois de formada fui fazer a Especialização em Psiquiatria na Universidade Complutense de Madrid na Espanha. Foi um curso de 3 anos no Serviço do Professor Juan José Lopez Ibor, que alguns meses depois de minha chegada foi substituído por seu filho Juan José Lopez Ibor Aliño. Terminado o curso fui para a Goethe Universitat em Frankfurt, na Alemanha, onde trabalhei durante um ano no Centro de Psiquiatria como Assistente Estrangeira. Tive a oportunidade de realizar um sonho, entrando para a vida Acadêmica aqui na Paraíba, em Campina Grande. Na mesma época, fui aprovada no concurso do antigo INAMPS. Hoje sou professora da Universidade Federal de Campina Grande e atuo como Psiquiatra em meus consultórios de Campina Grande e de João Pessoa.

Como foi escolher Medicina em uma época em que o papel da mulher ainda era prioritariamente o cuidado com a casa e a família?
Eu me formei na década de 70. Foi uma época extremamente rica em mudanças. Eu tive uma mãe que tinha um espírito crítico, era feminista de carteirinha e me ensinou que a vida só era possível em plena liberdade. Lembro das discussões que ela tinha com meu pai, um oficial do Exército muito conservador, defendendo o movimento feminista, as relações de complementariedade entre os gêneros (naquela época se dizia entre os sexos) e na Faculdade tive a oportunidade de conhecer pessoas, grupos que, na esteira dos movimentos de contracultura da década de 60 e início de 70 eram capazes de pensar e de entender que as diferenças entre homens e mulheres não legitimavam as relações de submissão e opressão, mas que essa desigualdade nas relações de poder era uma construção social que deveria ser combatida para que pudéssemos ter um mundo mais justo.

A sua Tese Doutoral na Universidade Complutense de Madrid (Espanha) foi sobre a Depressão nas mulheres. O gênero feminino está mais propenso a essa doença?
Eu fiz meu Doutorado em Psiquiatria na Universidade Complutense de Madrid sob a orientação do Professor Francisco Alonso Fernandes, onde durante quatro anos estudei sobre a depressão feminina. Os estudos mostram que para cada homem deprimido existem entre 3 a 4 mulheres deprimidas. Existem fatores de natureza biológica que contribuem para o aparecimento da depressão. No entanto, é na dimensão social que encontramos as principais causas dessa diferença.

A sra também tem formação Psicanalítica. Onde e com quem estudou?
Eu iniciei minha formação psicanalítica, o que significa dizer também minha análise pessoal, em João Pessoa, com um dos melhores e mais conceituados psicanalistas do Brasil, o Dr. Luiz Francisco Gonçalves de Andrade. Quando fui fazer o Doutorado na Espanha continuei minha análise e formação com o Prof. José Gutierrez Terrazas da Universidad de Comillas, também em Madrid.

A sra é avaliadora dos Cursos de Medicina dos países do Mercosul. Como avalia os cursos de Medicina do Brasil?
Além de avaliar cursos de Medicina no Brasil, eu pertenço ao banco de avaliadores estrangeiros do Paraguai, Bolívia, Chile, Colômbia e Equador e já avaliei cursos na Argentina e no Uruguai. No Brasil, nós temos uma grande heterogeneidade. Existem umas ilhas de excelência, representadas, quase sempre, pelo ensino público e por uma pequena parcela do setor privado. Mas, infelizmente, o suporte político facilitou a abertura de Escolas Médicas sem as mínimas condições de funcionamento, apesar de pareceres negativos das Comissões de Avaliação.

São altos os índices de suicídio entre médicos e estudantes de medicina. Por que esses profissionais são mais suscetíveis?
Naturalmente a relação entre suicídio e a profissão médica não é uma relação ortogonal. São variáveis complexas que necessitam ser melhor estudadas. Mas de uma maneira geral, podemos dizer que a profissão médica supõe um leque de exigências que muitas vezes atuam como elementos de eclosão de quadros depressivos. Os médicos são submetidos a uma carga de trabalho e de pressão cotidiana muito grande e, muitas vezes, não procuram uma escuta qualificada ou tratamento especializado porque se identificam com o estereotipo da pessoa que cuida e não da pessoa que necessita ser cuidada.

Como a sra vê o futuro da humanidade partindo dessa angustia causada pela Covid-19?
A pandemia nos mostra mais uma vez a grande vulnerabilidade do ser humano. Graças ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia conseguimos debelar várias pandemias e iremos vencer esta também. Mas eu estou segura de que não serão a ciência nem a tecnologia que poderão evitar a destruição total do ser humano e a do planeta. Somente a ética e o sentimento de solidariedade terão esse poder. É necessário ter um olhar mais respeitoso, cuidadoso e carinhoso com o outro e com o nosso planeta. Essa é nossa única possibilidade de sobrevivência.

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