Desde o início da pandemia de Covid-19, antes mesmo do registro do primeiro caso na Paraíba, a presidente da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia na Paraíba, Maria Enedina Scuarcialupi, vem alertando a população e as autoridades sobre a necessidade de se prevenir do coronavírus. “No começo a gente não sabia como o vírus infectava, como as pessoas adoeciam. Ainda hoje estamos em uma curva de aprendizagem. Ainda estamos lidando com uma doença que está ocupando tempo dos médicos, dos hospitais, dos serviços de saúde e adoecendo várias pessoas”, disse.

Nos primeiros meses da pandemia, Enedina foi uma das médicas paraibanas acometidas pelo vírus. Foram três semanas de sintomas, o tratamento foi feito em casa, mas o cansaço físico perdurou por três meses. Depois de recuperada da doença, assim com a grande maioria dos médicos, voltou a atender seus pacientes. Segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, de março a 31 de outubro, 908 médicos paraibanos já foram acometidos pela doença.

Formada em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com especialização em Clínica Médica e Pneumologia pelo Hospital do Servido de São Paulo, Enedina é pneumologista do Hospital Universitário Lauro Wanderley e do Hospital Santa Isabel. Atua também como professora da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba, além de presidir a Sociedade de Pneumologia e Tisiologia da Paraíba até o final deste ano. Na entrevista a seguir, ela fala da necessidade de proteção e prevenção, das mudanças em sua rotina de trabalho e como a desinformação atrapalha no controle do vírus.

Como a sra analisa o atual momento da pandemia de Covid-19?
Não acho que a gente já esteja em um momento confortável da pandemia de Covid-19. Agora, em novembro, estamos vendo vários países fechando setores novamente, o número de casos aumentando, os EUA batendo recorde diários de mortes. Eu me pergunto qual é a doença para a qual são destinados 10 leitos de UTI e os 10 leitos ficam ocupados, como acontece com a Covid-19. Quando se vê um hospital geral fechando para internar apenas pacientes com uma mesma doença, a Covid-19? Então, não estamos em uma situação confortável. Temos uma doença que está ocupando tempo dos médicos, dos hospitais, dos serviços de saúde e adoecendo várias pessoas ao mesmo tempo. Não víamos isso com nenhuma outra doença, ainda estamos no meio de uma pandemia.

Como foi lidar com as dúvidas e incertezas do início da pandemia?
Sendo a Covid-19 causada por um vírus que não existia, o novo coronavírus, a gente não sabia como ele infectava, como as pessoas adoeciam. Estamos ainda numa curva de aprendizagem, de como a doença funciona. O vírus entra pela via respiratória, mas pode atingir coração, rim, musculatura, cérebro. Então, o paciente tem um quadro clínico inicial parecido, mas desenrola de várias formas diferentes e muitos ainda ficam com sequelas, as vezes invalidantes ou que incomodam bastante, diminuindo a qualidade de vida. Não temos um tratamento definitivo e ainda estamos em busca de uma vacina. Então, estamos tentando lidar com o momento, com o que está acontecendo naquele determinado momento, tentando administrar aquela situação, dando o melhor que temos no momento. Além de dar todo o suporte clínico, dando também apoio psicológico e fisioterápico ao paciente. Também estamos disponibilizando os tratamentos que temos segurança, sem aumentar os riscos que ele já está sofrendo de uma infecção tão agressiva.

A desinformação e as fake news atrapalham o trabalho dos médicos, a condução dos tratamentos?
Realmente, desinformação, notícias falsas, notícias enganosas, eu não sei a quem ajuda. Pelo amor de Deus, estamos todos juntos, somos todos iguais, de mãos dadas. Então, por que inventar que isso ou aquilo serve ou não serve? Por que tirar o valor das coisas que as pessoas sérias estão tentando fazer para salvar vidas? É natural do ser humano fazer isso, há explicações psicológicas. O ser humano as vezes tenta desmerecer uma coisa que está sedimentada, que está comprovada que funciona. As vacinas, as máscaras, toda hora vem alguém para dizer que isso não funciona, que prejudica e isso não é verdade. As pessoas têm que olhar para os profissionais de credibilidade e escutar o que eles estão falando. O discurso não muda: se cuide, se proteja, proteja a si e respeite o próximo, protegendo o próximo. A gente, mais do que nunca, tem que ser altruísta e fraterno. Não é só a minha saúde que está em jogo. Eu estou arriscando a saúde de outras pessoas que conheço, que eu amo e também das que não conheço.

O que mudou na sua rotina de trabalho como médica, após a pandemia?
A rotina mudou completamente. A já gente tinha uma forma de trabalhar e de se proteger que mudou muito, da hora que acordamos até a hora de dormir. A paramentação, o banho, as roupas, a alimentação, a limpeza dos ambientes, tudo isso foi revisto. Após o atendimento de um paciente no consultório é preciso limpar todo o ambiente para começar a atender um segundo paciente. Quando entramos em um elevador, não sabemos quem acabou de sair, se tossiu, se espirrou, se estava usando máscara, se passou a mão no nariz e encostou no painel. Então, a nossa higiene pessoal e do ambiente de trabalho ficou muito mais frequente e rigorosa. Aumentamos nossos gastos com equipamentos de proteção individual, com material de higiene e de limpeza. Com todas estas mudanças, as consultas se tornaram mais longas, mais complexas, com um número maior de exames a serem avaliados e uma forma mais minuciosa de examinar o paciente. Essa mudança intensa dificulta a agilidade no trabalho e no ganho de tempo. Não podemos também atender muitos pacientes para não gerar aglomeração. Nós, da pneumologia e infectologia, já lidávamos com doenças infecto contagiosas, mas não havia esse nível de proteção tão alto como agora. Na minha opinião não mudou para sempre, a gente tem que se conscientizar disso. Nós temos que reavaliar como estávamos vivendo antes e agora pensar numa coletividade, como vamos nos proteger, proteger o meio ambiente e nossa família.

As pessoas, em geral, relaxaram o isolamento social e praticamente todos os setores da economia já foram reabertos. Como a senhora avalia isso?
A Covid-19 é uma doença que não impacta só na saúde dos indivíduos, está impactando na economia de todo o mundo. Nos países que são mais sofridos, o preço a ser pago é ainda maior. A população já estava em uma situação econômica difícil e vem uma guerra a se enfrentar…o preço a se pagar vai ser ainda maior porque não há suporte, uma reserva. Então, a população vai sofrer mais ainda. Acho que as pessoas precisam realmente sobreviver, produzir, para ter o seu dinheiro. Mas a gente tem que realmente usar com rigor os equipamentos de proteção, manter o distanciamento, se proteger com o que a gente já tem documentado. A máscara protege, é realmente necessária, não traz outros prejuízos. É preciso ter uma higiene das mãos rigorosa, evitar aglomerar e estar se reunindo com muitas pessoas. A gente não sabe o nível de proteção imunológica desse vírus. A gente percebe que as pessoas acham que, porque já foram infectadas, se sentem protegidas. Mas a gente tem estudos e exames que mostram pacientes que fazem exame de sangue após três meses e não tem anticorpos mais. Então, todo mundo tem que viver no mesmo nível de proteção. Além disso, eu posso estar assintomático, ser portador do vírus, eliminar na gotícula da saliva, na hora que falo, na hora que tusso ou espirro. Então a proteção é a nossa grande arma contra esse vírus até o momento.

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