“Estamos em uma nova fase de reaprendizado e reorientação do exercício da nossa profissão”

Entrevista:Dr Roberto Magliano de Morais – Ginecologista/Obstetra e Presidente do CRM-PB

Em outubro de 2018, o médico ginecologista e obstetra Roberto Magliano de Morais tomou posse como presidente do Conselho Regional de Medicina da Paraíba. Há quase dez anos como conselheiro da autarquia, ele já conhecia bem as atividades conselhais, mas não sabia que teria que lidar durante sua gestão com um dos maiores desafios dos profissionais de saúde, a pandemia de Covid-19. Além disso, foi um dos primeiros paraibanos a ser infectado pelo novo coronavírus, em março deste ano, quando ainda havia muitas incertezas sobre o melhor tratamento para a doença.

Reconhecido pelos colegas como um profissional humanista, sensível a questões éticas e amante da filosofia e da cultura, Roberto Magliano teve que reaprender a lidar com a nova realidade imposta pelo distanciamento social. “A telemedicina já é uma realidade. Mas quando iniciamos os atendimentos não presenciais, começamos justamente a valorizar o tocar o paciente, o examinar. Olhar nos olhos do paciente é imprescindível para que a Medicina continue a ser essa profissão maravilhosa”, diz o presidente do CRM-PB.

Na entrevista a seguir, ele fala sobre os desafios à frente do CRM-PB (que para ele é mais uma honra, que um desafio), os problemas da saúde paraibana, as ações importantes do Conselho durante a pandemia, planos e projetos para o futuro, além de contar sobre sua experiência pessoal com o coronavírus. Roberto Magliano é formado em Medicina pela UFPB, fez residência e Mestrado em São Paulo, e tem título de especialista em ultrassonografia, em ginecologia e obstetrícia e em endoscopia ginecológica. Atualmente, é médico do Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Secretaria de Saúde da Paraíba e tem consultório particular.

 

O sr teve a Covid-19 logo no início da pandemia, quando ainda havia muitas incertezas sobre o tratamento. Como foi lidar com a doença?
A experiência com a Covid-19 foi muito intensa, eu diria até devastadora. Eu fui um dos primeiros pacientes a terem o diagnóstico confirmado aqui na Paraíba. A doença me pegou de maneira intensa e tive comprometimento nos pulmões. Na época, havia muitas incertezas quanto às melhores formas de tratamento. Mas o fato é que consegui superar esses momentos muito difíceis, particularmente, graças aos médicos que me acompanharam, o pneumologista Ronaldo Rangel e a infectologista Ana Isabel, além do apoio da minha família.

 

Quais os principais desafios em presidir o Conselho Regional de Medicina em tempos de pandemia?
Presidir uma autarquia como o Conselho de Medicina, antes de ser um desafio, é uma honra muito grande. Sem dúvida alguma, os desafios são grandes porque no nosso país, a saúde não é tratada com a seriedade e com a prioridade que merece. Mas durante minha gestão temos procurado fortalecer a educação médica continuada e nosso departamento de fiscalização tem trabalhado de maneira intensa, procurando dar aos hospitais condições mínimas para que os médicos possam trabalhar. A corregedoria também tem feito um trabalho exaustivo e exemplar, no julgamento de sindicâncias e processos. Da mesma forma que acreditamos que o médico deve ter condições dignas de trabalho, precisamos separar o joio do trigo, continuando valorizando a Medicina, impedindo que os maus médicos atuem, advertindo-os, dando punições para que eles não infrinjam o Código de Ética Médica. Graças a Deus, são exceções, mas têm que ser punidas, para que a Medicina na Paraíba continue e a ser respeitada. Outra questão que me chama atenção na nossa Medicina, é a propaganda médica, particularmente com as mídias sociais, onde tem havido muito excesso dos profissionais. Estamos trabalhando para evitar que o sensacionalismo e a publicidade inadequada não prevaleçam e acabe iludindo a população. Talvez o maior desafio seja ressaltar aos médicos a importância da nossa profissão, o valor que nós temos para a sociedade, para que a gente possa continuar prestando um serviço humanizado, altamente qualificado, mas que seja também valorizado.

 

Na opinião do senhor, quais os principais problemas enfrentados pela saúde no país e na Paraíba?
Temos problemas sérios, do ponto de vista nacional e também local, particularmente, no financiamento da saúde. Hospitais sucateados, médicos sendo contratados de maneira precária, pejotização, falta de estabilidade de emprego para os médicos. Nós, médicos, temos enfrentado muitos problemas, particularmente, em ter que atuar em locais sem as menores condições, que nos coloca em situação de dificuldade e risco de erro, por termos que improvisar para podermos tratar de maneira digna os pacientes. Além disso, temos problemas também com a grande quantidade de médicos que estão se formando. Para se ter uma ideia, a Paraíba forma cerca de mil médicos por ano. Isso é um problema sério, porque estes médicos estão se formando e em vez de irem para os locais onde precisa de médicos, os vazios sanitários, eles estão se concentrando nas grandes cidades, particularmente em João Pessoa, que já concentra cerca de 60% dos médicos do nosso estado e em Campina Grande, onde estão cerca de 30% dos médicos. Desta forma, a falta de médicos no interior permanece. É um desafio para a medicina paraibana a interiorização, conseguir encontrar formas para concentrar esses médicos no interior. Temos problemas também aqui em João Pessoa, em alguns hospitais, que precisam de melhorias. Tivemos que interditar um dos grandes hospitais da capital, neste ano, por absoluta falta de condições de trabalho, o que mostra que, infelizmente, as autoridades não tem olhado para esses equipamentos de saúde, da maneira que eles merecem. Outro problema sério que temos em nosso estado é a regulação de leitos, de transportes de pacientes. Não existe uma central de regulação de leitos que funcione de forma adequada. Já no interior, continuam os problemas de mortalidade materna, mortalidade infantil, que precisam ser enfrentados de maneira muito crítica. Outra questão que me preocupa muito e precisa ser abordada é o excesso de trabalho dos médicos. O médico hoje tem sido obrigado a trabalhar uma carga horária muito grande e muitas vezes isso gera esgotamento físico e mental. Muitos estão tendo a Síndrome de Bournout, além de depressão e ideação suicida. É preocupante o número de médicos que tem tentado e logrado êxito no suicídio. É importante também que nós pontuemos que o Conselho de Medicina tem procurado agir, tentando minorar esses problemas, apoiando o projeto Lucas, onde os médicos de reúnem na tentativa de encontrar soluções para os problemas do esgotamento, da depressão, do suicídio. Temos debatido bastante estes assuntos com psiquiatras e outros médicos especialistas na área, além de psicólogos.

O CRM-PB realizou diversas ações importantes junto aos médicos durante a pandemia. Quais principais ações o sr pode destacar?
O CRM-PB agiu nesta pandemia de maneira extraordinária. Realizamos um trabalho intenso de visitas a unidades de saúde, com a Campanha Médicos Contra o Coronavírus, que esteve em mais de 80 municípios do estado, cobrando a existência de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), de medicamentos, leitos, respiradores. Além disso, periodicamente conversarmos com os diretores dos hospitais referência para o tratamento da Covid-19 em nosso estado, cobrando providências, procurando orientar no que era possível. Também demos suporte com orientações éticas no momento em que os médicos tinham dúvidas sobre a melhor conduta que deveriam ter em diversas situações. Interviemos também quando foi necessário, cobrando dos diretores de hospital o que era necessário. Tivemos reuniões e conversas com o Secretário de Saúde do Estado e dos municípios, com representantes do Ministério Público, com o Governador, prefeitos de João Pessoa, de Campina Grande, de Patos, cobrando melhores condições de trabalho, melhor qualidade de saúde à população. Além disso, oferecemos para os médicos recém-formados cursos e treinamentos de capacitação na área de urgência e emergência, na utilização de respiradores, de intubação. Trabalhamos ainda na divulgação de dados sobre o número de leitos nos principais hospitais do estado, para que não faltasse atendimento à população. De maneira geral, foi uma batalha muito dura de educação, de esclarecimento sobre o que de fato era necessário para a população, que estava um pouco apavorada pela as fake News, que infestaram as mídias sociais e os meios de comunicação. Acreditamos que atravessamos o pior momento e que o CRM-PB pôde dar a sua contribuição aos médicos e à população sobre as melhores orientações para o enfrentamento da Covid-19.

Quais os principais planos a serem realizados ainda neste ano de 2020, no CRM-PB?
Neste ano, tivemos um grande desafio que foi enfrentar a pandemia de Covid-19. Agora, vamos fazer cursos e orientações sobre a telemedicina, que já é uma realidade em nosso meio. Estamos também muito preocupados com a questão da publicidade médica, então vamos fazer um evento para treinamento, orientação e capacitação dos médicos e também dos profissionais de marketing, acerca do que pode e do que não pode na área de publicidade médica, do que é ético e o que não é. Ainda temos uma ideia de, em novembro, iniciarmos o processo de digitalização completa do Conselho de Medicina. Esperamos que no primeiro semestre de 2021 nós tenhamos todos os processos feitos por via digital. Isso vai facilitar muito o arquivamento dos documentos e ainda o acesso dos médicos, dispensando muitas vezes a necessidade de ir até o conselho. Temos também um projeto de adotar energia fotovoltaica, energia limpa e sustentável. Estamos instalando placas de energia para tornar o Conselho mais eficiente energeticamente. Esta é uma contribuição que damos ao nosso planeta e é um exemplo que talvez devesse ser seguido por outras autarquias e outras instituições públicas.

Como o sr avalia a situação da saúde da Paraíba durante a pandemia?
A Paraíba, de uma maneira geral, saiu-se bem no enfrentamento à pandemia. Tivemos problemas sérios com relação a EPIs e a respiradores, mas foram problemas comuns a todos os estados do Brasil. Depois tivemos a falta de medicamentos, principalmente dos necessários para a terapia intensiva, mas esse problema também foi superado. Mas não tivemos na Paraíba falta de leitos, nem de UTIs para os pacientes que precisaram. Infelizmente, como em todo Brasil, nós entendemos que se tivesse havido um pouco mais de interação entre os municípios e o estado, uma sincronização melhor dos serviços, talvez tivéssemos alcançados resultados ainda melhores. Mas não se pode dizer que a atuação da Paraíba, em meio ao que aconteceu no restante do país, foi ruim. Foi razoável, como a maioria dos estados brasileiros. De todo modo, é preciso que se cobre das autoridades um pouco mais de transparência, no que diz respeito ao gerenciamento de recursos que foram destinados à Paraíba. Não ficou claro, transparente, quanto foi que a Paraíba e João Pessoa receberam e quanto foi destinado para o combate ao coronavírus. Essas informações merecem ser publicizadas pelos gestores e investigadas pelo Ministério Público e Tribunal de Contas, se necessário.

Como médico, como está sendo lidar com as novas rotinas de trabalho?
Como médico, posso dizer que estamos todos reaprendendo a trabalhar. Primeiro, entendendo que a relação com os pacientes talvez se modifique um pouco mais em face dos riscos de contaminação. Segundo, intensificando muito mais os atendimentos pela telemedicina, que já é uma realidade. Também estamos tendo que realizar reuniões à distância com colegas médicos para tratar de assuntos burocráticos, administrativos e de educação. Essa nova fase é de reaprendizado e reorientação do exercício da nossa profissão. É claro que a medicina presencial, a relação médico/paciente vai continuar e sai fortalecida. Quando tratamos e orientamos os pacientes por via não presencial, começamos a perceber e valorizar ainda mais a relação médico/paciente, tocar o paciente, examinar. Olhar nos olhos do paciente é imprescindível para que a medicina continue a ser essa profissão maravilhosa.

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