“O ‘Julho Amarelo’ informa sobre as hepatites, estimula a realização de exames e esclarece sobre o tratamento público e de qualidade”
A pandemia de covid-19 tem dificultado o diagnóstico e o tratamento de diversas doenças, pelo receio dos pacientes em procurar serviços de saúde e se contaminar com o coronavírus. Para estimular os pacientes a procurarem seus médicos e realizarem os exames periódicos, diversas campanhas vêm sendo realizadas. O “Julho Amarelo” tem por objetivo reforçar as ações de vigilância, prevenção e controle das hepatites virais. “A campanha não apenas informa à população sobre as formas de transmissão, vacinas e cuidados, como também esclarece que são doenças tratáveis, que há cura e há serviços de saúde pública de excelente qualidade”, afirma o médico gastroenterologista, José Eymar Moraes de Medeiros Filho.
Formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com residência em Clínica Médica e Gastroenterologia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e doutorado em Gastroenterologia também pela USP, José Eymar Filho é, atualmente, gerente de atenção à saúde do Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW), em João Pessoa, professor adjunto da UFPB, coordenador clínico do programa de transplante de fígado do estado da Paraíba e coordenador dos programas de residência médica do HULW.
Na entrevista a seguir, ele fala sobre o impacto da pandemia no tratamento de outras doenças e na cobertura vacinal das hepatites, ressalta a importância do diagnóstico precoce da hepatite para se chegar à cura e destaca que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece ambulatórios referenciados de excelente qualidade para o tratamento da doença. Quanto à covid-19, ele acredita que estamos em uma fase de melhor controle da doença, graças à imunização. “No entanto, é importante manter não apenas o estímulo à vacinação, mas também às medidas de proteção, como lavagem de mãos e uso de máscaras”, afirma.
A pandemia de covid-19 tem atrapalhado o diagnóstico e tratamento de outras doenças? As pessoas estão receosas em procurar os serviços de saúde?
A pandemia tem dificultado o acesso ao diagnóstico e ao tratamento dos pacientes no serviço de saúde. Há o receio de contaminação em ambientes com alto fluxo de pacientes. Com isso, tratamentos têm sido interrompidos e o diagnóstico tem sido atrasado, impactando no prognóstico dos pacientes.
Como a campanha Julho Amarelo pode ajudar no controle e prevenção das hepatites virais?
A campanha Julho Amarelo, criada para conscientizar as pessoas sobre o combate e o tratamento das hepatites virais, ajuda não só no diagnóstico, mas também na disseminação de informação e na estimulação da realização de testes, tanto por parte dos médicos, como dos pacientes e da estrutura de saúde. Desta forma, nós estamos não só informando à população os modos como se adquire a infecção, que ela é tratável e que ela tem cura, mas também que o paciente tem acesso ao serviço de saúde pública de modo gratuito, de excelente qualidade, com ambulatórios referenciados em hepatites virais. O paciente tem acesso a tratamento de primeira geração, com eficácia de praticamente 100% de cura da hepatite C e de controle extremamente adequado da hepatite B, fornecidos gratuitamente pelo SUS. O paciente deve então, primeiro saber que está infectado (realizando o teste), e quando estiver positivo, procurar um desses ambulatórios de referência para erradicar o vírus da hepatite C e controlar o vírus da hepatite B.
A vacinação contra as hepatites A e B é a melhor forma de prevenção? Como está a cobertura vacinal? A pandemia também diminuiu a procura por estas vacinas?
Para a hepatite B e para a hepatite A, o Brasil tem estrutura política de imunização, que cobre para crianças de até 5 anos para hepatite A , e para todo brasileiro a hepatite B. Para os que desejam se vacinar contra a hepatite B, é só procurar os centros de imunização, levando seu cartão vacinal ou abrindo um novo cartão, para com isso ser vacinado e ficar imunizado contra o vírus da hepatite B. A cobertura vacinal no país de crianças é bastante satisfatória, mas, assim como todas as outras políticas de saúde, foi impactada pela pandemia, e teve sim uma redução ao longo dos anos de 2020 e 2021. De certa forma isso impacta, obviamente, mas temos tempo hábil para fazer busca ativa e resgatar e atualizar o cartão vacinal, tanto das crianças, quanto dos adolescentes e dos adultos. É importante lembrar que, hoje em dia, o maior risco de aquisição da hepatite B é dos adolescentes e adultos jovens com vida sexual ativa e desprotegida. Então, apesar da pandemia, temos tempo hábil para corrigir o cartão de vacinação das crianças com alta eficácia e protege-las.
As hepatites virais têm cura se diagnosticadas precocemente?
A hepatite A se cura espontaneamente. Apesar de ser uma hepatite que geralmente se pega quando criança, por contaminação com água ou alimentos contaminados com fezes, a maior parte das pessoas tem forma assintomática da doença, nem sabe que teve e possui o anticorpo protetor. A melhora das condições sanitárias e de esgotamento faz com que, cada vez mais, haja uma redução na taxa de transmissão do vírus da hepatite A. Por isso é importante a vacinação, pois à medida que melhoramos a condição sanitária, fazemos o tratamento dos esgotos, aumentamos a população dos susceptíveis, que poderiam se infectar na vida adulta. Tendo vacinado as crianças que não terão mais contato com esgotos e água contaminada, teremos adultos imunizados e protegidos. Para a hepatite B, há um bom controle. A maior parte das pessoas que se infectam na vida adulta se curam espontaneamente. Mas em torno de 10% se tornam pacientes crônicos e destes, aproximadamente uma fração de 1/3, pode evoluir para cirrose hepática e complicações. A hepatite C, talvez a que era mais assustadora no passado, agora é a mais promissora. Temos medicações de uso oral, um comprimido por dia, durante 90 dias, que trazem taxa de cura de 98% a 100%. Então, hoje em dia, eu diria que a cura da hepatite C depende mais em encontrar o paciente, em saber que aquele indivíduo está infectado e precisa de tratamento, do que em desenvolver novos tratamentos. Os tratamentos que existem para hepatite C hoje são suficientes para mantermos o vírus eliminado e conseguirmos evoluir para a cura mesmo. Não apenas melhorar a evolução da doença, mas eliminar o vírus da hepatite C do organismo.
Como o sr vê o atual momento que estamos vivendo em relação à pandemia de covid-19? Qual mensagem pode deixar à população?
A pandemia de covid-19 trouxe um impacto não apenas na saúde pública, mas em todas as esferas: humanitária, humanística, de relacionamento, psicológico e também econômico. Do ponto de vista de evolução da pandemia, vemos que começamos a ter, graças à vacinação, graças à imunização, seja por infecção ou por vacinação de boa parte da população, começamos a ter curvas descentes. Temos a expectativa que, ao longo dos próximos meses, estejamos em um patamar de melhor impacto, de melhor controle. Por outro lado, não acredito que vamos ficar livres de imediato da covid-19, vamos conseguir talvez controlar a doença, mas teremos surtos episódicos, de aumento de casos ao logo dos anos, atingindo a população que não teve a vacinação eficaz, que não imunizou, que não soro converteu. Então, acho que o momento é melhor do que foi em um passado recente, podendo ter uma evolução para o melhor controle da gravidade da doença. No entanto, é importante manter não apenas o estímulo à vacinação, mas também às medidas de proteção, como lavagem de mãos e uso de máscaras, para que a gente possa, a longo prazo, conseguir superar essa pandemia que com certeza está deixando marcas na nossa geração.