Por Dra. Nara Crispim
MÉDICA CRM-PB: 6329
Endocrinologia e Metabologia RQE: 5129
Nutrologia RQE: 5594
Presidente da SBEM-PB
O uso de testosterona por mulheres tem sido cada vez mais promovido por discursos midiáticos e estratégias comerciais que associam esse hormônio a promessas de aumento de energia, melhora do humor, emagrecimento, ganho de massa muscular e efeitos ditos “rejuvenescedores”. Embora tais mensagens muitas vezes utilizem linguagem técnica e aparência científica, frequentemente carecem de embasamento nas evidências clínicas disponíveis, podendo levar à prescrição inadequada e expor as pacientes a riscos desnecessários.
É fundamental destacar que a única indicação clinicamente reconhecida para a utilização de testosterona em mulheres, segundo diretrizes internacionais e nacionais, é o tratamento do Transtorno do Desejo Sexual Hipoativo (TDSH) em mulheres na pós-menopausa. Mesmo nesse contexto, o diagnóstico deve ser criterioso e precedido da investigação de causas comuns e potencialmente reversíveis de redução do desejo sexual, tais como:
- Hipoestrogenismo
- Transtornos psiquiátricos, especialmente depressão
- Uso de fármacos que afetam a libido (como antidepressivos)
- Fatores psicossociais, como conflitos conjugais
- Condições clínicas como obesidade e síndrome metabólica
Diante da crescente disseminação de informações imprecisas sobre o uso de testosterona em mulheres, foi publicada, em 3 de maio de 2025, uma nota técnica conjunta da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e do Departamento de Cardiologia da Mulher da Sociedade Brasileira de Cardiologia (DCM/SBC). O documento reforça diretrizes fundamentais para uma prescrição segura, ética e baseada em evidência:
- Indicação clínica validada
Restrita ao tratamento do TDSH em mulheres na pós-menopausa, com exclusão prévia de outras causas para a queixa.
- Dosagens laboratoriais: evitar solicitações inadequadas
A dosagem sérica de testosterona não é recomendada em mulheres saudáveis ou com queixas inespecíficas de libido.
Esse exame não deve ser utilizado com a finalidade de triagem para supostos níveis reduzidos, com o objetivo de embasar prescrição hormonal.
A única justificativa clínica reconhecida para a dosagem de testosterona em mulheres é no contexto de suspeita de hiperandrogenismo, dentro da investigação diferencial de condições como:
- Síndrome dos ovários policísticos (SOP)
- Hiperplasia adrenal congênita
- Tumores secretores de androgênios (ovariano ou adrenal)
- Síndrome de Cushing
A solicitação indiscriminada deste exame, associada a conceitos genéricos como “deficiência androgênica feminina”, não possui respaldo científico e pode contribuir para práticas de prescrição hormonal sem indicação legítima.
- Contraindicações estéticas
Não há qualquer evidência que respalde o uso de testosterona com a finalidade de aumentar massa muscular, reduzir gordura corporal ou promover efeitos “antienvelhecimento”.
- Formulações e regulação sanitária
Atualmente, não existe no Brasil nenhuma formulação de testosterona aprovada pela Anvisa para uso em mulheres. As formulações disponíveis são manipuladas ou adaptadas, sem validação farmacológica e sem garantias quanto à farmacocinética, segurança ou eficácia em mulheres.
Mesmo nos casos em que a terapia hormonal se mostre apropriada, é imprescindível o uso de preparações com qualidade farmacêutica comprovada, e sob monitoramento clínico rigoroso. Produtos divulgados como “naturais”, “bioidênticos” ou “biodisponíveis” geralmente fazem parte de estratégias comerciais e apresentam riscos equivalentes aos hormônios sintéticos.
O uso de implantes hormonais subcutâneos, pellets ou outras formas manipuladas de liberação prolongada não é recomendado, dada a ausência de padronização, imprevisibilidade na absorção e maior risco de efeitos adversos.
- Riscos do uso off-label
A prescrição de testosterona fora da indicação validada pode resultar em efeitos colaterais significativos, incluindo:
- Virilização
- Acne
- Alopecia
- Alterações hepáticas
- Dislipidemia
- Eventos cardiovasculares
Frente a esse cenário, cabe aos profissionais médicos exercerem seu papel com responsabilidade, pautando suas condutas na melhor evidência científica disponível, nos princípios éticos da prática clínica e no cuidado centrado na paciente. A promoção da saúde da mulher exige rigor, personalização e compromisso com a segurança — não adesão a modismos terapêuticos ou prescrições motivadas por interesses não assistenciais.