drrodolfoHá 17 meses de pandemia de covid-19 e há sete meses do início da vacinação no Brasil, os números de infectados e mortos pelo novo coronavírus vem caindo nos últimos meses no país, sobretudo na Paraíba. Aqui, a taxa de ocupação nos hospitais referência para a doença vem sendo registrada abaixo de 20%, um número bem animador para quem beirou os 100% entre abril e maio deste ano. Apesar dos dados positivos, os profissionais que atuam no combate à pandemia desde o início alertam que o momento é de cautela. “Uma flexibilização acelerada, desproporcional ao momento, pode ter efeito contrário – ao trazer uma falsa sensação de segurança as pessoas “baixam a guarda”, promovendo assim o aumento do número de casos”, ressalta o pneumologista Rodolfo Bacelar.

Formado pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e com especialização em Pneumologia e Medicina do Sono pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Rodolfo é um dos médicos paraibanos que está na linha de frente contra a covid desde o início da pandemia. Pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é médico do Complexo Hospitalar Clementino Fraga, em João Pessoa, e do Hospital Geral Otávio de Freitas, em Recife. É também preceptor da Clínica Médica do Unipê e da Pneumologia do Otávio de Freitas. “No ambiente acadêmico, tive a oportunidade de proferir aulas, discussões e apresentações em congressos, contribuindo com a formação de profissionais que também atuam na linha de frente. Posso dizer que atuei em todos os níveis de combate contra a covid”, afirma.

Na entrevista a seguir, Rodolfo reforça que ainda não é tempo de relaxarmos as medidas sanitárias, fala da necessidade de completar o esquema vacinal com as duas doses para conter a disseminação da variante delta, o mal causado pelas fakenews, explica a Síndrome Pós-Covid e agradece aos profissionais de saúde pelo empenho. “Estamos lutando contra pandemias: da doença e da desinformação, que expõe tantos a um risco que poderia ser evitado. Por isso, meu muito obrigado a todos aqueles que combatem o bom combate nesta pandemia. Estamos ombro a ombro nestas trincheiras, juntos”.


Como o sr avalia o atual momento da pandemia de covid-19? Estamos com cerca de 20% da população vacinada com duas doses e as medidas de segurança cada vez mais flexibilizadas. Corremos o risco de iniciarmos uma nova onda de contágios?

Vivemos um momento com dificuldade peculiar. Ao mesmo tempo em que o número de vacinados aumenta, e consequentemente há redução do número de casos, temos o surgimento de novas variantes, com maior potencial infeccioso. Juntado a isto, cada vez menos adesão da população às medidas não-farmacológicas de controle da pandemia – cada vez menos pessoas usam adequadamente as máscaras, e frequentemente vemos aglomerações. Uma flexibilização acelerada, desproporcional ao momento, pode ter efeito contrário – ao trazer uma falsa sensação de segurança as pessoas “baixam a guarda”, promovendo assim o aumento do número de casos, principalmente quando temos a variante delta no cenário (e esta exige, mais do que as outras que tínhamos contato, a vacinação em duas doses para eficácia). Com número baixo de pessoas que completaram o esquema vacinal, maior possibilidade de reinfecção com a variante delta e uma flexibilização acelerada com baixa adesão da população às medidas de controle, podemos sim ter uma nova onda de contágio.


A variante delta deve atingir principalmente os não vacinados?

A variante delta pode ser a principal responsável por uma nova onda de contágios. É o que países que já tiveram contato com essa variante antes do que nós, vivenciam. Porém, temos um grande trunfo – apesar do ritmo de vacinação aquém do que necessitamos, e das constantes fakenews disseminadas por movimentos antivacina e seus interesses escusos, há uma cultura de vacinação muito forte da população brasileira. Nós somos um país que é exemplo mundial de programa de vacinação, o país que tem no Zé Gotinha uma figura familiar, arraigado em nossa memória desde os primeiros anos de vida. E essa aceitação da vacina pela população nos diferencia de outros países que até começaram antes, mas que não conseguem progredir com número de pessoas adequadamente imunizadas. Quando falamos da variante delta, ela pode atingir tanto os não vacinados, quanto aqueles que já tiveram covid-19 antes e que por uma falsa crença de proteção duradoura, não se submeteram à imunização como forma de potencializar a imunidade contra o SARS-COV-2. Importante ressaltar que a variante delta exige, “mais do que as outras”, que o ciclo imunizatório em 2 doses esteja completo – o absenteísmo da 2ª dose é algo que preocupa e as pessoas precisam ser alertadas e encorajadas a comparecer e tomar as duas doses da vacina. Outros países que já convivem com a variante delta também levantam o alerta para o acometimento de idosos, principalmente os com mais de 75 anos, e pessoas imunossuprimidas, independentemente do tipo de vacina recebida – por terem um comprometimento da resposta imune (no caso dos idosos é natural que isto aconteça pela própria idade) desenvolveriam uma resposta menos duradoura e então estariam mais expostos à delta. Logo, precisamos considerar uma estratégia de doses de reforço nestas populações (o que alguns países também já fazem), antes que a delta avance pelo país. Então, precisam de atenção os infectados prévios que não se vacinaram, aqueles que ainda não completaram o esquema de imunização com duas doses, os mais idosos e imunossuprimidos, juntamente com os mais jovens que não iniciaram o ciclo.


O número de casos, de óbitos e de internações pela covid-19 estão caindo no país, sobretudo, na Paraíba. O sr atribui isso a quais fatores?

A razão da queda do número de casos que ocorre atualmente tem como um dos principais fatores a vacina. Com o progredir dos números de pessoas vacinadas, há um maior bloqueio da circulação viral e consequentemente um menor número de infectados. Também, um maior e mais confiável número de testes disponíveis faz com que diagnostiquemos melhor os casos, promovendo isolamento e reduzindo assim a cadeia de transmissão. Quando olhamos o contexto da assistência aos acometidos pelo vírus, um amadurecimento dos fluxos de assistência dentro e fora dos serviços, a experiência adquirida pelos profissionais, uma maior estruturação dos serviços e os avanços da ciência em prover estratégias com tratamentos efetivos após estudos colaboram para que mesmos os que adoeceram e precisaram de cuidado nos mais diferentes níveis de complexidade consigam vencer a doença.


O que é a Síndrome Pós-Covid? Apenas os pacientes que tiveram a forma grave da doença podem desenvolvê-la?

A Síndrome Pós-Covid é a forma como foi popularizada a persistência de sintomas do adoecimento nos mais diversos órgãos e sistemas após a resolução do impacto agudo viral, por consequente resposta imune exacerbada no organismo. Ela também recebe o nome de Covid Longa ou P.A.S.C (Post Acute-Sequelae of Sars-CoV-2).Estima-se que metade dos pacientes com Covid vai apresentar sintomas relacionados em 6 meses. E um terço em 9 meses. Estes sintomas são dos mais variados (fadiga, problemas gastrointestinais, alterações de memória, dificuldade de concentração, depressão, ansiedade, transtornos do sono, alterações de olfato e paladar, mialgias e artralgias, alteração de pele e cabelos, além do dano pulmonar, que pode ser transitório ou permanente – possibilidade de quadros de bronquiolite pós-infecciosa ou até mesmo de graves fibroses pulmonares). Infelizmente, em maior ou menor grau, pacientes que tiveram covid estão sujeitos à Síndrome Pós-Covid, independente da gravidade do adoecimento inicial.


Mesmo com uma melhora dos índices relacionados à covid-19, os profissionais de saúde da linha de frente estão exaustos com o excesso de trabalho e o estresse de lidar com uma doença nova. Qual mensagem o sr pode dar a estes profissionais?

A mensagem que posso deixar é a de agradecimento. Além das abnegações que todos nós profissionais de saúde já́ enfrentavam em suas vidas, estamos lutando contra pandemias. Pandemias, no plural: da doença e de desinformação, que expõe tantos a um risco que poderia ser evitado, e que leva muitos a adoecerem. Nesta luta, somado ao medo de contrair a doença e à tristeza dos colegas que não estão mais conosco, vem a exaustão. Mas, Hemingway sabiamente disse que importava mais saber quem está ao nosso lado nas trincheiras do que importa a própria guerra. Meu muito obrigado a todos aqueles que combatem o bom combate nesta pandemia. Estamos ombro a ombro nestas trincheiras, juntos.


E o que o sr pode dizer à população, para que contribua com a continuidade dos números positivos da covid?

Que hoje, se vivemos dias melhores que antes, temos uma grande responsável por isso: a vacinação. Ela é o nosso caminho para superar a pandemia. Avanços científicos vieram com as vacinas, respeitando todos os preceitos de desenvolvimento para uma aplicação segura. Então precisamos vacinar, vacinar e vacinar. Também, é imprescindível que haja o esclarecimento de que a efetividade da imunização vem com duas doses da vacina – completar o esquema vacinal é importantíssimo para o desenvolvimento de uma resposta efetiva. Assim como o bem da vacinação é coletivo, a covid é uma doença de todos – é necessário barrar a cadeia de transmissão. E mesmo vacinado, quanto mais circular o vírus, existe a chance de adoecimento pelo SARS-COV-2 pela exposição constante e pela possibilidade de surgimento de novas variantes – importante lembrar que variantes surgem naturalmente por seleção natural em ambientes de grande circulação viral. Logo, para vencer a pandemia, reforça-se a necessidade de bloquear a circulação do vírus: vacina, máscara e distanciamento social – ressaltando que mesmo vacinado, devemos seguir usando máscaras e evitando as aglomerações enquanto não houver controle satisfatório do vírus.

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