Autor: Carlos Alberto Viegas (Membro da Comissão de Controle do Tabagismo do Conselho Federal de Medicina (CFM))
Veiculação: Boletim do Cremepe
Para o pneumologista, com exceção dos psiquiatras, a maioria dos seus colegas não recebeu informações sobre o combate ao tabagismo, doença que atinge cada vez mais o público infanto-juvenil
Todos os anos, centenas de médicos saem das universidades sem uma formação concreta em relação a um dos mais crônicos problemas de saúde pública do Brasil e do mundo: o tabagismo. Um desconhecimento grave. O fumo mata cerca de 150 mil brasileiros por ano, sendo responsável por mais de 70% dos registros de enfisema e bronquite e também por 80% dos casos de câncer de pulmão. O cigarro ainda é fator de risco para mais de uma dezena de tipos de tumores malignos, entre eles boca, laringe, faringe, esôfago, pâncreas, rins, bexiga e colo de útero.
Com o objetivo de suprir essa carência científica, o pneumologista Carlos Alberto Viegas, professor da Universidade de Brasília (UnB), coordenou a elaboração do livro Tabagismo – Do diagnóstico à saúde pública, publicado pela editora Atheneu. Com auxílio de especialistas, fez um amplo estudo sobre esse vício, analisando o histórico do problema no Brasil, além da composição da fumaça do cigarro, das complicações em tipos variados de pessoas.
Membro da Comissão de Controle do Tabagismo do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB) e da Secretaria de Saúde do DF, Viegas, 52 anos, conhece muito bem os males do cigarro: parou de fumar há 20 anos. Nesta entrevista, ele alerta para o perigo do tabagismo entre crianças e adolescente e critica a postura dos seus colegas médicos em relação aos fumantes. Um assunto oportuno às véspera do Dia Nacional de Combate ao Fumo, celebrado na próxima quarta-feira com manifestações em todo o país.
As campanhas contra o cigarro, a proibição de fumar em locais públicos e a criação de fumódromos estão criando uma geração de não-fumantes?
O tabagismo diminuiu entre os adultos, mas, infelizmente, está estável ou com leve aumento na população infanto-juvenil, entre 10 e 19 anos. E, principalmente, nas meninas. O perfil do futuro fumante é uma pré-adolescente de 12 anos. Uma pesquisa ainda em fase final de tabulação, com entrevistas de alunos de escolas públicas e privadas de todo o Distrito Federal durante 2006, demonstra que 10,2% dos estudantes fumam diariamente. Há 10 anos, esse índice era de 11%, o que em termos estatísticos não representa uma diferença. O estudo aponta dados ainda mais alarmantes. No grupo de crianças que não fumam, 2% experimentaram outras drogas. Entre as fumantes, 50% provaram outras drogas. Conclusão: o cigarro é a porta de entrada para o consumo de álcool, maconha e cocaína.
Mas as escolas não ensinam às crianças que o cigarro faz mal à saúde?
Embora os colégios façam esse tipo de campanha, o que é muito bom, ela é pontual, apenas nas aulas de ciências e biologia. O ideal é que todos os dias, em todas as disciplinas – física, português, história, matemática -, o professor introduza informações sobre os males do cigarro.
Com quem elas adquirem o hábito de fumar?
Quem influencia a criança fumante é a mãe, muito mais do que o pai ou outro adulto que viva no meio familiar e na escola. A mãe é a pessoa que está em mais contato com a criança, mesmo que ela trabalhe fora. Quando a mãe fuma, aumenta em três vezes a chance de a criança seguir o mesmo hábito.
Os médicos sabem lidar com um paciente fumante?
Não. Os meus colegas não sabem abordar um paciente fumante e tampouco tratar o tabagismo, classificado como doença pela Organização Mundial de Saúde. Os médicos foram formados sem qualquer informação sobre o tabaco e a síndrome da abstinência à nicotina. Eles são surpreendidos com a necessidade de tratar essa enfermidade, que é uma dependência de drogas. Com exceção dos psiquiatras, os médicos, em geral, não sabem que os dependentes químicos precisam mais de acolhimento, de apoio psicológico, do que simplesmente dizer ao paciente que ele irá morrer de câncer de pulmão, enfisema e infarto se continuar fumando. Abordagens desse tipo estão fora de moda.
Como o médico e outros profissionais de saúde devem conversar com o fumante?
Eles devem dizer as vantagens de parar de fumar e estar preparados para apoiar o paciente caso ele deseje pôr fim ao vício. É uma abordagem cognitiva-comportamental. É dar informações à pessoa de forma que ela assuma que é uma dependente de drogas. O segundo ponto é a mudança de comportamento: além do paciente compreender que é um dependente, ele tem que se predispor a mudar e o médico deve ensiná-lo a evitar atitudes que o levem a fumar, principalmente no início da interrupção do tabagismo, quando sofrerá muito com a abstinência da nicotina. Por exemplo: não tomar cafezinho depois das refeições, mastigar chicletes, cravos ou lascas de canela na hora em que surgir a vontade de fumar.
Algumas pessoas conseguem abandonar o cigarro, porém depois de seis meses, um, dois anos ou até mais retomam o hábito. Por quê?
Estudos clínicos mostram que em excelentes centros de tratamento do tabagismo a taxa de sucesso fica em torno de 50% a 60%. Os outros 40% voltam a fumar depois de um ano. A explicação é bem simples. A dependência da nicotina possui dois componentes. Não é só a dependência química da droga, é uma submissão comportamental, psicológica, do hábito de levar o cigarro à boca e tragar a fumaça, de convívio social. São esses outros fatores que propiciam a recaída de pelo menos metade das pessoas que tentam parar de fumar.
Há um tratamento eficaz contra o tabagismo ou é um conjunto de terapias?
É um exagero dizer que há um conjunto de terapias. A medicina dispõe de vários tratamentos, sendo que alguns deles podem ser associados. Na abordagem farmacológica, o médico dispõe de três tipos de medicamentos: reposição de nicotina para aliviar os sintomas da abstinência, com o uso de chicletes ou adesivos; o antidepressivo bupropiona e um novo remédio, vareniclina, desenvolvido exclusivamente contra o tabagismo, pois simula a ação da nicotina no cérebro. Porém, não basta só tomar o remédio. O paciente precisa ter um apoio médico e, em alguns casos, até psicológico para vencer as três primeiras semanas de abstinência do fumo.
Alguns fumantes precisam parar de fumar, como os que fizeram cirurgia, estão internados, mas não conseguem. Como lidar com eles?
Um fumante que consome de 30 a 40 cigarros por dia, há mais de 20 anos, com certeza terá uma crise de abstinência à nicotina se for obrigado a parar abruptamente. Uma síndrome que ocorre com qualquer dependente de droga: a pessoa ficará ansiosa, irritada e fará de tudo para fumar. Em vez de impedir que esse paciente fume, o médico deve colocar nicotina no organismo dele, usando os adesivos que contêm essa substância. Será uma dose pequena, mas o suficiente para acalmá-lo. Quando ele estiver melhor, pode-se acrescentar a terapia cognitiva-comportamental e o uso de medicamentos.
As gestantes também podem fazer a reposição?
Sim. É uma questão de bom senso. A fumaça do cigarro tem mais de 4 mil substâncias tóxicas, que ao serem inaladas pela grávida prejudicam o feto. O adesivo possui apenas nicotina. Claro que a nicotina entra pela corrente sangüínea, mas ela fará menos danos ao desenvolvimento do bebê do que os outros elementos nocivos do tabaco.
“Os médicos devem dizer as vantagens de parar de fumar e estar preparados para apoiar o paciente caso ele deseje pôr fim ao vício”
“O perfil do futuro fumante é uma pré-adolescente de 12 anos”
“O cigarro é a porta de entrada para o consumo de álcool, maconha e cocaína”
Da Assessoria de Comunicação do Cremepe.
Reportagem de Maria Vitória, do Correio Braziliense, publicada em 26.08.2007.