CRM-PB Entrevista: Dr Rogério Varela
No dia 24 de agosto deste ano, foi realizada a primeira cirurgia de histerectomia de um homem transexual pela rede pública de saúde da Paraíba. Os procedimentos estão sendo realizados na maternidade Frei Damião, em João Pessoa, e irão atender os usuários que já fazem acompanhamento ambulatorial pela rede estadual. Ainda este ano, o Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba (CRM-PB) vai realizar um Fórum para discutir os aspectos éticos relacionados a estas cirurgias.
“Capacitações e treinamentos direcionados aos serviços e profissionais de saúde nos diversos âmbitos do SUS precisam ser implementados, visando a equidade necessária na assistência destes usuários”, afirma o médico endocrinologista Rogério Varela, que atua no ambulatório de Saúde Integral para Transexuais e Travestis do Estado da Paraíba, no Complexo Hospitalar Clementino Fraga, em João Pessoa.
Formado em Medicina pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Residência em Clínica Médica pelo Hospital Universitário Lauro Wanderley (HULW) e em Endocrinologia pelo Hospital Universitário Alcides Carneiro (HUAC), Rogério fala na entrevista a seguir sobre o serviço oferecido pela rede pública aos transgêneros na Paraíba.
Em agosto, a maternidade Frei Damião, em João Pessoa, realizou a primeira cirurgia em homem transexual, na Paraíba, pelo SUS. Como funciona este serviço? Quem pode passar por este procedimento?
Os procedimentos de histerectomia passaram a ser ofertados em João Pessoa pela maternidade Frei Damião desde agosto de 2022, e as mamoplastias têm previsão de início em outubro de 2022, na cidade de Campina Grande. Seguindo as recomendações da portaria 2.803 do Ministério da Saúde, os usuários com mais de 21 anos, e em acompanhamento por equipe interdisciplinar há 2 anos, podem se candidatar às cirurgias de adequação, sendo então encaminhados dos ambulatórios especializados aos serviços de cirurgia do Estado.
Quais são os ambulatórios especializados para o acompanhamento de pessoas transexuais, na Paraíba?
A Paraíba possui dois ambulatórios especializados destinados ao atendimento de pessoas transgêneros, um localizado em João Pessoa e outro em Campina Grande. O ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais localizado em João Pessoa (Ambulatório TT Fernanda Benvenutty) fica localizado no Hospital Clementino Fraga e funciona desde 2013, com equipe multiprofissional, composta por psiquiatra, endocrinologista, ginecologista, urologista, psicólogo, enfermeiro e assistente social, conforme portaria 2.803 do Ministério da Saúde e a Resolução n° 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina (CFM). O serviço está disponível para usuários maiores de 18 anos e oferta assistência em hormonioterapia e cirurgias de adequação sexual, com 826 usuários em acompanhamento. O ambulatório de Campina Grande (Ambulatório TT Marcela Prado) foi recém-inaugurado em abril deste ano, prestando assistência à toda aquela macrorregião. Devido aos possíveis riscos da hormonioterapia, a monitorização periódica é necessária para o diagnóstico e intervenção precoce de possíveis complicações. Os ambulatórios especializados atuam nessa assistência relacionada ao uso do hormônio assim como aos cuidados pré e pós cirúrgicos. O acompanhamento dos familiares e indivíduos do vínculo social também são comtemplados em atividades terapêuticas de grupo.
Quais critérios médicos, psicológicos, éticos e jurídicos os profissionais de saúde devem seguir no atendimento às pessoas transgêneras?
Seguindo a Resolução n° 2.265/2019 do CFM, a atenção especializada ao transgênero deve integrar o acolhimento e condutas articuladas em um Projeto Terapêutico Singular, resultado da discussão de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, com participação ativa do indivíduo, contemplando suas demandas e necessidades. O indivíduo, apresentando incongruência de gênero, deve demonstrar capacidade para tomar decisões, além de esclarecimento e compreensão dos efeitos esperados e dos efeitos colaterais das intervenções propostas. É necessário o consentimento livre e esclarecido, informando inclusive sobre a possibilidade de esterilidade advinda dos procedimentos hormonais e cirúrgicos. Se importantes problemas de saúde física ou mental estão presentes, eles devem estar razoavelmente bem controlados antes das intervenções clínicas e/ou cirúrgicas.
Os cuidados com a saúde e o acolhimento das pessoas transgênero têm sido respeitados? Os médicos e os estudantes estão preparados para estes atendimentos?
Além da atenção especializada, a resolução do CFM garante o acesso, sem qualquer tipo de discriminação, às atenções básica, de urgência e emergência. Neste sentido, programas de residência médica e algumas faculdades de Medicina do estado têm encaminhado seus alunos aos serviços de atenção especializada como grade complementar, mas não ainda de forma obrigatória. Portanto, maiores esforços ainda precisam ser implementados na garantia do acesso, do acolhimento, e dos cuidados de saúde específicos desta população. Capacitações e treinamentos direcionados aos serviços e profissionais de saúde nos diversos âmbitos do SUS, precisam ser implementados, visando a equidade necessária na assistência destes usuários.