Dr. João Modesto Filho – CRM 973/PB
Por Presidente do CRM-PB
Medicina de Precisão pode ser definida como aquela em que escolhemos um tratamento que corresponde exatamente ao paciente que vamos tratar, ou seja, é a que busca compreender os aspectos genéticos que tornam o indivíduo único, combinando métodos convencionais já utilizados para o diagnóstico e tratamento com o perfil genético de cada paciente. Esta abordagem tem se tornado comum na oncologia, onde a escolha dos medicamentos anticancerígenos é cada vez mais baseada na identificação individual das características do tumor a ser tratado. O dialetólogo francês, Professor Bernard Charbonnel, da Universidade de Nantes, fez uma análise sobre o assunto e que serve de reflexão para todos nós. Informa ele que há mais de 10 anos os consensos ADA/EASD têm procurado sinalizar para esta individualização, mas isto apenas do ponto de vista conceitual, porque na prática clínica estamos bastante distantes da oncologia.
No tratamento do Diabetes, um desmembramento em grupos de pacientes em termos de classificação foi feita em 2018 por pesquisadores da Suécia e da Finlândia avaliando cerca de 15.000 pacientes. É, na realidade, uma interessante tentativa de classificar a doença em 5 categorias, que diferem pelo substrato fisiopatológico e clínico e pelo grau de gravidade. Trabalhos posteriores mais refinados validaram esse estudo europeu, pois trazem algo para a escolha das terapias antidiabéticas de acordo com características fenotípicas, mas, mesmo assim, apresentam limitações basicamente no Diabetes Tipo 2. Assim, para nos aproximarmos da Medicina de Precisão nesse tipo de Diabetes, hoje imprescindível na oncologia, seria preciso identificar os pacientes geneticamente, e não simplesmente pelos fenótipos. Por isso, sabemos dos limites dessa abordagem para determinado paciente, pois não temos um marcador realmente confiável, qualquer que seja a classe de antidiabéticos que consideremos.
Por outro lado, no tocante as drogas e suas escolhas, existem estudos mostrando que agonistas do receptor GLP-1 são menos eficazes em diabéticos com longa duração da progressão da doença e com reserva de insulina baixa; mas nem todos os estudos nesse sentido são consensuais. No caso de existir resistência significativa à insulina, podemos ter uma má resposta aos inibidores de DPP4, mas as glitazonas apresentam uma boa resposta. Diabéticos de meia idade e com peso normal, segundo a experiencia do professor francês, costumam responder bem as sulfonilureias, que são demonizadas por outros estudiosos.
Em nosso meio, essa sensação “demonizante” com a metformina tem possíveis seguidores que sinalizam que essa droga, que é a mais utilizada em todo o mundo no tratamento do diabetes, lamentavelmente não a prescrevem por ser um medicamento fornecido pelo SUS. Completam, ainda, dizendo que quem a prescreve não estar a par das “últimas novidades” do tratamento da doença! Isso entre nós, país do terceiro mundo!
Nessa mesma linha de utilização de drogas, uma HbA1c elevada e com função renal normal são importantes preditores de boa resposta aos inibidores de SGLT2. De qualquer forma, existem muitas exceções individuais e, portanto, estamos muito longe da Medicina de Precisão. Ultimamente, grandes estudos sobre agonistas de receptores GLP1 e inibidores de SGLT2 vem mostrando que a individualização terapêutica mudou do poder hiperglicêmico para proteção cardiovascular e renal. Isso não deixa de ser um progresso imenso, pois podemos escolher um agonista do receptor GLP-1 em caso de doença aterosclerótica comprovada, e um inibidor de SGLT2 em caso de insuficiência cardíaca, mesmo precoce e/ou com danos inicias nos rins. De qualquer forma, o termo individualização terapêutica no campo do Diabetes tipo 2 parece estar superestimado, embora os estudos feitos até o presente poderão ser de utilidade para futuras pesquisas clínicas.
O Professor Charbonnel diz ainda que a Medicina de Precisão, tal qual a entendemos hoje em oncologia, não é atualmente uma realidade clínica na Diabetologia, sendo o bom senso clínico uma grande arma que é utilizada sem a necessidade de sofisticação verbal ou conceitual. Felizmente, estudos de fármaco-genética e fármaco-genômica em Diabetes estão sendo publicados com mais frequência. Entendemos que com a fármaco-genômica dos agonistas de receptores GLP1 teremos melhor compreensão biológica da ação dessas drogas e com possível fornecimento de biomarcadores para apoio à decisão terapêutica. Vemos que estamos começando a desvendar, pela fármaco-genômica, o papel do receptor do GLP1 e da beta arrestina 1 (proteína sinalizadora para modulação da glicose e homeostase energética) e, quando este tipo de genótipo estiver disponível, portadores de determinadas variantes se beneficiarão com um início precoce dos AR-GLP1, conforme artigo publicado na revista “Lancet Diabetes Endocrinol”, há poucos dias. Por fim, esperamos que num futuro próximo a Medicina de Precisão possa otimizar cada vez mais o tratamento do Diabetes, levando a um controle mais eficaz da doença, prevenindo suas complicações e melhorando a qualidade de vida dos pacientes.