Por Dra. Maria do Socorro F. Martins
CRM: 3588-PB
PEDIATRIA – RQE Nº: 3767
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma nova cepa de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Em 11 de março de 2020 a OMS declarou a pandemia da COVID-19.
Atualmente são identificados 7 coronavírus humanos, sendo o mais recente o SARS-COV-2, causador da COVID-19. A maioria das crianças se infectam ao longo da infância com os coronavírus comuns, desenvolvendo doenças brandas ou moderadas de curta duração. No início da pandemia, com a infecção causada pela cepa ancestral de Wuhan do SARS-COV-2, as crianças foram poupadas das apresentações graves da doença, porém, no avançar da pandemia e com o surgimento de novas cepas decorrentes das mutações sofridas pelos vírus, passamos a observar acometimentos com hospitalizações, entubação e óbitos nas crianças e adolescentes, muitos deles, sem nenhuma comorbidade que pudesse justificar a evolução clínica desfavorável. Dentro desses desfechos graves da doença temos:
- SRAG (síndrome respiratória aguada grave), que em 2021 representava 1.5% dos casos de internamentos e em 2023 passou para 17.7%. A covid-19 foi responsável por 5.310 casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e 135 mortes entre crianças menores de 5 anos no Brasil em 2023, de acordo com o último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, que reúne dados até novembro. A incidência e a mortalidade pela doença na faixa-etária vêm aumentando desde 2022.
- A SIM-P (síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica) manifestação tardia e grave da covid-19, desde o início da pandemia, com 142 mortes. Em 2023, houve 51 casos e uma morte.
- Assim como nos adultos, as crianças também são acometidas pela COVID longa que atinge em média 15,5% das crianças após a infecção, com duração de 4 a 32 semanas. Os principais sintomas foram fadiga e dispneia, seguidos por sintomas osteomusculares, respiratórios, neurológicos e distúrbios do sono.
A letalidade da Covid 19 nas crianças brasileira é mais alta em relação aos países do primeiro mundo devido a falta de leitos e estrutura hospitalar associado a um precário atendimento nos serviços infantis de urgência em nosso país, muitas vezes, equipes composta por médicos recém-formados ou outros médicos não Pediatras, levando o retardo no reconhecimento da doença e com abordagens e tratamentos inadequados, culminando com agravamento clínico.
No dia 5 de maio de 2023, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da covid-19, mas ainda temos no Brasil cerca de 1000 mortes por mês por causa da doença.
Se comete um grande equívoco comparar o impacto da carga global da doença e sua letalidade nas crianças com outras faixas etárias, como os idosos ou adultos portadores de comorbidades, em que realmente é muito mais alta nesses grupos acima citados. Devemos sim, contrapor com as outras doenças da infância, infectocontagiosas e imunopreveníveis por vacinas como hepatite A, rotavírus, rubéola, tétano neonatal e outras mais que possuem vacinas no calendário de rotina das crianças. O número de óbitos somados de todas elas não foram superiores aos óbitos causados pela COVID-19 nas crianças e adolescentes desde que começou a pandemia. A prestigiosa revista Jama, da Associação Médica Americana, destacava no início do ano passado, que a Covid-19 matava mais crianças americanas que todas as outras doenças preveníveis por vacinas juntas.
Segundo os últimos informes dos BOLETINS EPIDEMIOLÓGICOS ESPECIAL da COVID-19 da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, se evidencia uma prevalência de hospitalizações e mortes pela Covid-19 nos extremos da idade, abaixo de 4 anos, especialmente inferior a 1 ano de idade e acima de 80 anos.
A vacina monovalente da covid-19 utilizada para essa faixa etária de 6 meses a 4 anos, 11 meses e 29 dias, a Pfizer baby, mesmo contendo na sua formulação apenas a cepa ancestral, que não circula mais em nenhuma parte do planeta, ainda tem mostrado uma eficácia contra as formas graves e óbitos, treinando o sistema imunológico das crianças principalmente às custas da imunidade celular no enfrentamento com o vírus. Esperamos que o Ministério da Saúde adquira, o mais rápido possível, vacinas atualizadas para essa faixa etária, com a linhagem XBB da variante ômícron, que será a cepa circulante globalmente a partir de maio desse ano.
A imunogenicidade, segurança e eficácia das vacinas RNA mensageiro entre crianças foram confirmadas por estudos publicados nas melhores revistas científicas do mundo. Os eventos adversos registrados após a aplicação da vacina nessas crianças, são 95% os referidos para as demais vacinas do seu calendário de rotina, que são os localizados, de caráter benignos e autolimitados. Apesar de estarmos com baixíssimas coberturas vacinais para esse grupo, não alcançando 3%, não existe relatos de farmacovigilância de miocardite ou pericardite para essa faixa etária, até porque se utiliza apenas um décimo da quantidade de antígenos vacinais contidos nas vacinas recomendadas a partir de 12 anos de idade. Como também, a utilização do esquema vacinal estendido entre as 3 doses: 4 semanas entre a primeira e segunda dose e 8 semanas entre a segunda e terceira dose, contribui para diminuir os eventos mais graves.
O Programa Nacional de Imunizações, agora em 2024, passa a incluir na rotina, as vacinas de Covid-19, para as crianças a partir de 6 meses de idade, sendo recebida com muita resistência pelas famílias. Acreditamos que uma melhor comunicação do governo, envolvendo diversos atores, com peças acolhedoras e elucidativas para a população, combatendo a desinformação, concatenado a um investimento técnico-científico para os médicos, especialmente, os Pediatras, proporcionando-lhes um melhor acesso às atuais evidências científicas que possam trazer o convencimento da importância de vacinarmos as crianças. Dessa forma, poderemos conseguir melhorar essas baixas coberturas vacinais em nosso país contra a Covid-19, através do conhecimento e esclarecimentos, sem precisar impor a obrigatoriedade para a vacinação.