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Autor: Heloisa Helena de Souza Marques (Doutora em Medicina. Médica Chefe da Unidade de Infectologia do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP)

Veiculação: Pediatria (São Paulo) 2007;29:9-10


No Brasil foram notificados 433.067 casos de AIDS desde 1980 até junho de 2006, sendo que 6.067 (3,7%) casos são de crianças até 13 anos de idade, nos quais a forma de transmissão mais comum foi por infecção vertical/perinatal, em 81,1% dos casos1. A partir de outubro de 1996 o Programa Nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde adotou a indicação da profilaxia da transmissão vertical para todas as gestantes soropositivas. Esta estratégia tem mostrado impacto na redução da transmissão vertical em nosso meio. A análise temporal da notificação dos casos, por ano de diagnóstico, revela que houve uma redução de aproximadamente 50% do número de crianças infectadas por transmissão vertical (1997: 1.226 crianças; 2005: 513 crianças). Porém, esta transmissão ainda ocorre em nível além do desejável. Isto foi observado em um estudo colaborativo multicêntrico brasileiro, com uma taxa de transmissão vertical de 7,5% nos anos de 2003 e 20042. Existe a necessidade de aumentar o diagnóstico da infecção pelo HIV, especialmente em algumas regiões brasileiras. Estas taxas de transmissão vertical são mais elevadas nas regiões norte e nordeste, 11,8% e 8,9% respectivamente, e menores nas regiões centro-oeste (5,1%), sul (5,4%) e sudeste (6,9%)3. Com a melhora no diagnóstico das infecções na gestante, os pediatras irão cuidar mais de crianças expostas ao HIV e não infectadas, do que de crianças com Aids.

O risco da transmissão vertical do HIV em nosso meio persiste, e a suspeita clínica deve ser sempre considerada em crianças maiores que apresentem: infecções recorrentes de vias aéreas superiores, inclusive sinusite ou otite, pneumonias de repetição, monilíase oral persistente, diarréia recorrente ou crônica, deficit ponderal e de estatura, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, adenomegalia generalizada, febre de origem indeteminada, hepatoesplenomegalia.

Estas manifestações clínicas são pouco específicas, e, na maior parte das vezes, têm outra causa, enquanto o quadro de parotidite de repetição ou crônico é mais sugestivo da Aids. Em nosso Serviço de Infectologia, os principais sinais e sintomas ao diagnóstico de 300 crianças com infecção pelo HIV/Aids foram: infecções de vias aéreas superiores – 80%, perda de peso ou desnutrição – 40%, hepatomegalia – 39%, pneumonias de repetição – 33%, monilíase oral recorrente – 30%, diarréia recorrente ou crônica – 26%, esplenomegalia – 25%, febre intermitente – 23%, parotidite crônica – 8%, e púrpura – 5%.

Um outro aspecto a ser enfatizado sob aspecto da clínica da Aids é a velocidade de progressão da doença, que tem implicação na idade de apresentação do quadro ao pediatra. O curso clínico da Aids é mais rápido na criança em relação ao adulto, devido à imaturidade imunológica, e pode apresentar dois padrões de progressão. O primeiro é denominado de progressão rápida, ocorre em cerca de 20% das crianças, que adoecem com gravidade no primeiro ano de vida e podem morrer antes dos quatro anos, como ocorria antes da implantação da terapia anti-retroviral. O outro padrão de progressão da Aids é mais lento, e abrange a maioria (80%) dos casos em evolução espontânea. Nesses pacientes o desenvolvimento dos sintomas ocorre na idade escolar ou mesmo na adolescência, e tinham tempo médio de sobrevida de 9 a 10 anos antes da terapia específica4,5,6. A idade de apresentação da Aids em crianças brasileiras (1980-2006) é assemelhada ao diagnóstico: 35% tinha menos de um ano de idade, 45% entre um e 5 anos de idade, 20% mais de 5 anos de idade, destas, cerca de 4% tinha idade superior a 10 anos1. Há casos em que o diagnóstico foi suspeitado e confirmado com a idade de 14 anos ou mais, destacando-se que a infecção ocorreu por transmissão vertical. Desta forma, a idade de apresentação do caso em publicação nesta edição de Pediatria deve ser considerado habitual.

Sob tratamento para o vírus, o panorama da Aids evoluiu favoravelmente. Na década de 1980, no início da epidemia, um estudo de sobrevida brasileiro avaliou 914 crianças com a doença e mostrou que metade delas morria dentro de 20 meses após o diagnóstico. Diferentemente, 75% daquelas diagnosticadas entre 1997 e 1998 ainda estavam vivas depois de quatro anos de acompanhamento7. Nos Estados Unidos, o tratamento também promoveu significativa redução da taxa de mortalidade anual entre as crianças nascidas com a infecção, de 5,3% em 1996 para 0,7% em 19998. Uma redução semelhante na mortalidade também foi observada em coorte italiana9.

Devemos atentar para os dados epidemiológicos brasileiros que mostram uma taxa de prevalência da infecção pelo HIV em parturientes ao redor de 0,4%, e que a recomendação da profilaxia da transmissão vertical do HIV é oferecida apenas para 62,5% das gestantes1. Portanto, casos como este em publicação na Pediatria (São Paulo) – com reconhecimento tardio da infecção por aquisição vertical, ainda ocorrem, apesar dos esforços despendidos. O Pediatra frente a esse cenário deve manter a suspeição clínica e investigar essa possibilidade etiológica em crianças e adolescentes cujo adoecimento incluir manifestações clínicas recorrentes ou persistentes.

Referências

1. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Programa Nacional de DST e Aids. Brasília DF. Boletim Epidemiológico DST/Aids 2006;3.

2. Succi RCM, Grupo de Estudo da Sociedade Brasileira de Pediatria. Transmissão vertical do HIV no Brasil em 2003-2004. Resultado preliminar de um estudo colaborativo multicêntrico. J Paranen Pediatr 2005;6:13.

3. Succi RC, Grupo de Estudo da Sociedade Brasileira de Pediatria. Transmissão Vertical do HIV . Diferenças Regionais na Transmissão Vertical do HIV no Brasil. Resultado de um Estudo Colaborativo Multicêntrico. Arq Pediatr 2006;19:S100.

4. Barnhat HX, Cadwell MB, Thomas P, Mascola L, Ortiz I, Hsu HW, et al. Natural history of human immunodeficiency virus disease in perinatally infected children: An analysis from the Pediatric Spectrum of Disease Project. Pediatrics 1996;97:710-6.

5. Tovo PA, Martino M, Gabiano C, Cappello N, D’Elia R, Loy A, et al. Prognostic factors and survival in children with perinatal HIV infection. Lancet 1992;339:1249-52.

6. Italian Register for HIV infection in children. Features of children perinatally infected with HIV-1 surviving longer than 5 years. Lancet 1994;343:191-5.

7. Matida LH, Marcopito LF, Succi RC, Marques HH, Della Negra M, Grangeiro A, et al. Improving survival among Brazilian children with perinatally-acquired AIDS. Braz J Infect Dis 2004;8:419-23.

8. Gortmaker SL, Hughes M, Cervia J, Brady M, Johnson GM, Seage GR 3rd, et al. Effect of combination therapy including protease inhibitors on mortality among children and adolescents infected with HIV-1. N Engl J Med 2001;345:1522-8.

9. de Martino M, Tovo PA, Balducci M, Galli L, Gabiano C, Rezza G, et al. Reduction in mortality with availability of antiretroviral therapy for children with perinatal HIV-1 infection. Italian Register for HIV Infection in Children and the Italian National AIDS Registry. JAMA 2000;284:190-7.

Endereço para correspondência:
Dra. Heloisa Helena de Sousa Marques
Avenida Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647
Cerqueira César, São Paulo – SP
Cep 05403-900

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