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Autor: Wilma Madeira (Mestre e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo)

Veiculação: Jornal do Cremesp nº 235


A oferta abundante de informações sobre saúde na internet começa a mudar as relações entre médicos e pacientes no Brasil, colocando novos riscos, desafios e oportunidades para os profissionais da área. A constatação é da pesquisadora Wilma Madeira, mestre e doutoranda em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo, e especialista nos temas de comunicação e informação em saúde. Nesta entrevista, Wilma revela alguns dados de sua pesquisa sobre o tema, que pode ser consultada no site http://www.teses.usp.br

Por que a escolha do tema internet?
Em 1989 participei de um projeto de informatização de uma rede municipal de atendimento na área da saúde, com a implementação de um prontuário único, eletrônico. Já na época, quando observava as mudanças provocadas no ambiente das unidades e clínicas de saúde, tanto entre os trabalhadores do setor como na população, e no relacionamento desses dois agentes centrais – médico e paciente – percebi que as novas tecnologias de informação e comunicação apresentavam grande potencial de transformação das relações estabelecidas no campo da saúde. A internet vem como uma evolução natural dessa tendência.

Como os pacientes têm usado a internet?
A internet permite que os pacientes acessem informações que até então eram exclusivas dos médicos. De posse dessas informações técnico-científicas, eles se capacitam para interagir melhor com o médico, conseguem dialogar mais, fazer perguntas e entender com clareza o diagnóstico. Os pacientes têm usado a internet, em sua grande maioria, buscando três tipos de resultados. Primeiro, como uma fonte para esclarecer dúvidas sobre os assuntos abordados durante uma consulta médica já realizada. Outros a utilizam como instrumento para preparar uma consulta e, assim poder questionar melhor o médico, interagir com ele. E todos esperam que a internet seja um espaço de disseminação de informação e debate sobre os temas de interesse de grupos de pacientes. Isso possibilita a troca de informações e de experiências entre pacientes e médicos, não só no coletivo, mas também em relações privadas, no espaço do consultório médico.

E qual tem sido a reação dos médicos ante essa novidade?
Em meu trabalho abordei o tema sob a perspectiva do paciente. Alguns disseram que a reação de seu médico foi neutra, natural ou indiferente (5,08%). Outros afirmaram que a reação foi positiva (25,42%). Outros, ainda, apresentaram uma reação contraditória, com argumentos positivos e negativos (13,56%). Mas a maioria (55,94%) disse que a reação do médico foi negativa, que ele não gosta que o paciente tenha informações técnicas, que discuta, questione ou conteste seus diagnósticos e procedimentos. A relação médico-paciente é muito assimétrica na América Latina, principalmente em comparação com países como os Estados Unidos e o Canadá. No Brasil, essa relação tende a ser mais paternalista. O médico não apresenta mais de uma alternativa de tratamento. Muitas vezes, não se estabelece um diálogo entre os dois.

Os resultados de uma consulta podem ser melhores com pacientes mais bem informados? Por outro lado, não há risco de automedicação?
Parte das pessoas que entrevistei usa as informações sobre saúde não apenas para se preparar para fazer perguntas, mas também para discutir o tratamento com o médico. Trata-se de uma busca por autonomia. Nesse caso, os dois escolhem conjuntamente que caminho seguir. Mas não dá para dizer que isso acontece com a maioria das pessoas. Na pesquisa, fiz uma escala que abrange desde quem não participa em nada, até quem participa realmente do processo de decisão. A maioria dos “internautas” fica no meio do caminho (28,37%). Imaginamos que a tendência seja de que eles passem a participar mais do processo decisório. Isso não ocorrerá em pouco tempo, até porque ainda há muitos excluídos digitais no país. O risco de automedicação não foi um tema abordado diretamente na pesquisa, mas é esperado que uma pessoa bem informada tenha uma atuação mais independente.

Há muita coisa duvidosa publicada na internet. Como escolher a informação correta e atualizada?
A internet é um grande concentrador de fontes de informações cuja característica mais marcante é justamente a diversidade de conteúdos leigos, de informações técnicas e científicas nos mais diversos formatos e formas de comunicação. Nesse “mar de informações”, o melhor seria indicar, inicialmente, sites de organizações comprometidas com o tema da saúde – universidades, órgãos governamentais, órgãos e associações de profissionais e de pacientes, além de organizações e fundações que realizem pesquisas sobre o tema. Tais sites costumam manter indicação de outros sites relacionados.

O que muda em relação à ética médica com essa nova situação? Seria possível um médico compartilhar sua responsabilidade de diagnose com um paciente?  E seria possível a realização de consultas remotamente usando recursos de voz, imagem e texto? Isso não exigiria mudanças no próprio Código de Ética Médica?
Esta é uma questão delicada. O profissional de saúde aprende sobre seu objeto de estudo por vários anos e adquire um conhecimento muito bom sobre ele. Só que esse objeto é o corpo de um ser humano. E quem sente o que ocorre nesse corpo é o indivíduo a quem ele pertence. Além disso, os referenciais teórico e prático do médico não dizem respeito especificamente àquele indivíduo: trata-se de uma média. Por isso, não dá para dizer que a decisão deve ser só do profissional. Também não pode ser só do paciente, porque ele não tem a formação e prática necessárias para extrapolar o que aprende em livros, na internet, ou mesmo se freqüentasse congressos médicos. Não acredito que a internet substitua o médico; ela apenas possibilita a busca por um reequilíbrio na relação entre o médico e o paciente. Quanto aos diversos usos da internet como meio, a telemedicina tem nos mostrado que tudo, ou quase tudo, é possível.

Pensando na democratização da saúde e da informação, como a internet poderia suprir a falta de informações sobre saúde para a população?
Esse é um tema que está em debate. Inclusão digital é, hoje, considerada uma estratégia importante, para redução da exclusão social, promovida e financiada por diversos governos preocupados com o assunto. A democratização da informação, da comunicação, assim como da saúde e da educação, faz parte desse mesmo processo de construção daquilo que queremos para o nosso país.

A internet pode, de fato, desempenhar um papel importante na educação continuada do médico e de outros profissionais?
Por ser uma fonte de informação de acesso rápido e fácil, muito mais do que as fontes tradicionais – tais como congressos, estágios, palestras e livros – a internet deve sim ser considerada no rol de fontes de informações para os profissionais da saúde. Trata-se de uma ferramenta e ambiente importantes para os processos de educação continuada de diversos profissionais, não somente no campo da saúde. As ferramentas de educação à distância já estão bastante testadas e há diversas pesquisas que indicam sua eficácia. É um bom caminho a trilhar.



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