Por Claudio Orestes Britto Filho
Médico Pediatra – CRM 3625 e RQE 3073
Membro titular da Academia Paraibana de medicina
Cadeira de nº 07

Para o filosofo Aristóteles “a arte imita a vida”. Na novela “Travessia”, a autora Glória Perez aborda com Theo (Ricardo Silva) um problema que atinge a muitos jovens: o vício na internet. Alguns poderiam dizer que seria uma caricatura ou um exagero na forma que a situação é apresentada, mas infelizmente é apenas a ponta de um iceberg de um problema bem maior chamado intoxicação digital.

A Intoxicação digital é um termo que se refere aos efeitos negativos do uso excessivo e descontrolado da tecnologia em nossas vidas. Esse problema além de atingir adultos, afeta crianças e adolescentes como no caso da novela. Na pediatria, é importante estar ciente dos perigos da intoxicação digital, suas repercussões e das medidas que podem ser tomadas para prevenir as consequências.

O uso excessivo de dispositivos eletrônicos cada vez mais frequente no cotidiano da crianças e adolescentes, como smartphones, tablets e videogames, pode ter um impacto extremamente negativo na saúde física, mental e comportamental das crianças. O uso constante desses dispositivos pode levar a desordens físicas de visão, miopia, fadiga ocular e dores de cabeça, ou transtornos de ordem mentais como ansiedade, depressão, déficit de atenção, hiperatividade ou problemas comportamentais como irritabilidade, cansaço excessivo, baixa autoestima, sobrepeso, obesidade, anorexia, bulimia, falta de sono, problemas de concentração, riscos da sexualidade, nudez, abuso sexual, estupro virtual; comportamentos autolesivos, riscos de suicídio, aumento da violência, abusos e fatalidades podem estar correlacionados ao uso em demasia.

Dados da pesquisa TIC KIDS ONLINE – Brasil (2018), realizada pelo Cetic.br/NIC.br5, revelam que 86% das crianças e adolescentes brasileiros, entre 9 e 17 anos, estão conectados, o que corresponde a 24,3 milhões de usuários da internet. Posse de perfil em redes sociais é referida por 82% do total da amostra. Cerca de 20% dos participantes do levantamento relataram contato com conteúdo sensível sobre alimentação ou sono; 16% com formas de machucar a si mesmo; 14% com fontes que informam sobre modos de cometer suicídio; 11% com experiências com o uso de drogas. Além disso, cerca de 26% foram tratados de forma ofensiva (discriminação ou cyberbullying); e 16% relataram acesso às imagens ou vídeos de conteúdo sexual. Outros 25% assumiram não conseguir controlar o tempo de uso, mesmo tentando passar menos tempo na internet.

Não podemos esquecer a expectativa depositada no potencial de desenvolvimento da geração digital que não se confirmou! Pelo contrario, as evidências falam por si: já há um tempo que testes de QI (Quociente de Inteligência) têm apontado que as novas gerações são menos inteligentes que anteriores. O acesso ao mundo digital tem criado atalhos dentro do cérebro que limitam a imaginação e Einstein já sentenciava que “a imaginação é mais importante que o conhecimento”.

Para prevenir a intoxicação digital em crianças, é importante estabelecer limites claros para o uso de dispositivos eletrônicos. Os pais devem incentivar seus filhos a brincar ao ar livre, com amigos e familiares, e a participar de atividades físicas e sociais. Além disso, é importante limitar o tempo que as crianças passam em dispositivos eletrônicos e monitorar de perto o conteúdo que elas acessam na internet.

Para ajudar os pais nessa tarefa, a Sociedade Brasileira de Pediatria destaca: Evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas, mesmo que passivamente; Limitar o tempo de telas ao máximo de uma hora por dia, sempre com supervisão para crianças com idades entre dois e cinco anos; Limitar o tempo de telas ao máximo de uma ou duas horas por dia, sempre com supervisão para crianças com idades entre seis e 10 anos; Limitar o tempo de telas e jogos de videogames a duas ou três horas por dia, sempre com supervisão; nunca “virar a noite” jogando para adolescentes com idades entre 11 e 18 anos; Para todas as idades: nada de telas durante as refeições e desconectar uma a duas horas antes de dormir; Oferecer como alternativas: atividades esportivas, exercícios ao ar livre ou em contato direto com a natureza, sempre com supervisão responsável; Criar regras saudáveis para o uso de equipamentos e aplicativos digitais, além das regras de segurança, senhas e filtros apropriados para toda família, incluindo momentos de desconexão e mais convivência familiar; Encontros com desconhecidos online ou off-line devem ser evitados; saber com quem e onde seu filho está, e o que está jogando ou sobre conteúdos de risco transmitidos (mensagens, vídeos ou webcam), é responsabilidade legal dos pais/cuidadores; Conteúdos ou vídeos com teor de violência, abusos, exploração sexual, nudez, pornografia ou produções inadequadas e danosas ao desenvolvimento cerebral e mental de crianças e adolescentes, postados por cyber criminosos devem ser denunciados e retirados pelas empresas de entretenimento ou publicidade responsáveis.

Os pais também podem ajudar a prevenir a intoxicação digital em crianças incentivando a leitura de livros e outras atividades criativas. Essas atividades podem ajudar a desenvolver habilidades importantes, como a criatividade, a imaginação e a resolução de problemas. Além disso, a leitura de livros pode ajudar a melhorar a concentração e a memória das crianças.

Por fim, “Precisamos Falar Sobre o Kevin” é um filme onde os pais negligenciam o comportamento do filho que foge ao padrão e traz consequências dramáticas. Infelizmente, a exemplo do filme, muitos pais negligenciam ou não dão a devida importância ao tema. Tal negligencia é agravado com crescente terceirização dos filhos para celulares que as deixam “aparentemente calmas e entretidas” com suas “babás eletrônicas” e que trará consequências gravíssimas na interação, empatia e comunicação! Repercutindo na diminuição da qualidade e quantidade das interações intrafamiliares que foram essenciais para o desenvolvimento da linguagem, emoções e comportamento social. Dessa forma, precisamos de uma reflexão sobre o tema antes que percamos o “Kevin”.

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