CRM-PB entrevista: Dr Felipe Proenço

 

O médico de família e comunidade é o especialista que acompanha as necessidades das pessoas ao longo da vida, trazendo uma concepção da medicina preventiva, ao entender a importância do rastreamento dos problemas de saúde, dos mais simples aos mais complexos. Esta foi a especialidade escolhida pelo atual diretor geral da Escola de Saúde Pública da Paraíba, Felipe Proenço, um gaúcho de Caxias do Sul que escolheu vir morar em João Pessoa em 2008, ao ser selecionado para professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

 

Formado em Medicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), residência em Medicina de Família e Comunidade no Grupo Hospitalar Conceição em Porto Alegre (RS), Mestrado em Saúde Coletiva na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e Doutorado em Saúde Coletiva na Universidade de Brasília (UnB), Felipe Proenço é também professor adjunto da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba.

 

Na entrevista a seguir, além de falar sobre a sua especialidade, ele ressalta a necessidade de uma formação generalista nos cursos de Medicina do país (previstas nas diretrizes curriculares de 2011 e 2014), destaca o papel importante da Escola de Saúde Pública no estado, ao oferecer 15 programas de residência médica em diversas cidades paraibanas, estimulando com isso, a interiorização do médico, além de analisar avanços e dificuldades do programa “Mais Médicos”, do qual foi um dos criadores, em 2013.

 

Qual a importância do médico de família e sua contribuição para a medicina preventiva?

O médico de família e comunidade é o especialista que trabalha principalmente na atenção primária à saúde, portanto, na estratégia de saúde da família, e que tem esse olhar integral nas diversas fases da vida, atendendo crianças, idosos, gestantes, adultos, jovens. Este profissional traz uma parte da concepção da medicina preventiva ao entender sobre a importância do rastreamento de problemas de saúde e, portanto, também da promoção e prevenção, mas que também agrega na sua clínica a possibilidade de cuidar das pessoas nas diferentes fases da vida. Com isso resolve, principalmente, os problemas mais frequentes de saúde, sejam eles comuns ou mais complexos. O médico de família e comunidade tem essa capacidade de cuidar das pessoas e ser o especialista que vai acompanhar as necessidades destas pessoas ao longo da vida.

 

Como o sr avalia a graduação em Medicina no que diz respeito à atenção básica? As escolas de medicina têm dado a importância devida à atenção primária à saúde?

A graduação em Medicina passou por duas grandes reformas que estimularam a inserção dos estudantes, a partir do primeiro semestre, na atenção primária à saúde. Então, as diretrizes curriculares de 2011, já colocavam a necessidade de uma formação generalista, de um olhar integral, de uma capacidade tanto de desenvolver atendimentos clínicos, mas também de ter uma gestão de cuidado com as pessoas. Isso foi reforçado pelas diretrizes curriculares de 2014, quando foi colocada a necessidade de uma maior participação na atenção primária, seja nos primeiros anos do curso de medicina e também no internato médico, aonde se deve ter uma predominância de atividades na atenção primária. O que a gente tem visto, inclusive ao realizar pesquisas nesta área, é que estudantes que vivenciam por um maior tempo a atenção primária, com professores que entendem o contexto da atenção primária e/ou são especialistas na área de medicina de família e comunidade, há uma percepção melhor do que é o trabalho na atenção primária e, com isso, há o interesse maior de profissionais recém graduados a procurarem esta área enquanto especialidade, enquanto caminho a ser seguido para o exercício profissional. Quanto aos cursos de medicina darem importância à atenção primária, o que a gente tem percebido também através de pesquisas, é que cursos criados mais recentemente dentro das perspectivas das diretrizes curriculares, seja de 2011 ou de 2014, costumam ter currículos mais voltados para a atenção primária, mais voltados para uma aprendizagem centrada no estudante e isso tem estimulado uma valorização da atenção primária. Cursos mais antigos dependem de reformas curriculares, alguns efetivamente conseguiram ter um olhar para a atenção primária e realizar um equilíbrio com as atividades dos serviços hospitalares, mas alguns cursos ainda estão muito concentrados em uma perspectiva muito fragmentada de formação. O olhar da especialidade deve ser desenvolvido ao longo da residência médica, mas durante a graduação é importante ter esse olhar mais integral, mais geral, para a prática médica, que a atenção primária à saúde possibilita.

 

A Escola de Saúde Pública (ESP) da Paraíba oferece quantos e quais cursos de residência médica?

A Escola de Saúde Pública oferece 15 programas de residência médica. São os programas vinculados à Secretaria de Estado da Saúde (SES) e isso é um movimento da última década. Há alguns anos, os egressos da graduação de medicina da Paraíba procuravam programas de residência em outros estados porque havia ainda um número insuficiente de vagas de residência médica na Paraíba. Essa realidade tem se modificado nos últimos 10 anos e o papel da SES, através da Escola de Saúde Pública tem sido fundamental para isso, para que quem conclua o curso de graduação de medicina na Paraíba, possa realizar a residência também no nosso estado. O que observo em pesquisas nacionais é que quem realiza a graduação e a residência na mesma localidade, tem 85% de chance de permanecer nessa localidade. Por isso que os programas de residência médica do estado da Paraíba têm conseguido fixar mais especialistas na nossa região. Esses 15 programas de residência médica da escola de Saúde Pública estão distribuídos em 18 cidades. A maior parte das vagas em João Pessoa, Patos e Cajazeiras, mas também em outros municípios que recebem a residência de medicina de família e comunidade. Com esses 15 programas de residência médica, anualmente, tem se ofertado a possibilidade de ingresso de 64 médicos residentes por ano. Se a gente somar, então, a entrada de residente do primeiro ano, com residentes do segundo e terceiro anos, hoje são 103 médicos residentes que estão vinculados à Escola de Saúde Pública.

 

Mais de 60% dos médicos paraibanos estão concentrados em João Pessoa. Como estimular a interiorização dos médicos e ampliar o acesso à saúde para a população?

Com relação à concentração de médicos na capital paraibana, essa é uma realidade nacional e mundial, quando se observam pesquisas junto aos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que representa uma parte significativa dos países europeus, também é encontrada essa distribuição de profissionais em cidades com melhores condições sócio econômicas, ou mais populosas. É comum encontrar essa dificuldade de distribuição de médicos. Com relação a isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza que sejam desenvolvidas estratégias diversificadas, que possam ter iniciativa no campo educacional, como a interiorização da residência para melhorar a distribuição dos profissionais médicos e garantir o acesso das pessoas aos profissionais médicos. Também é importante que tenham iniciativas regulatórias, no sentido de estimular o exercício profissional em localidades tidas como remotas, que tenham iniciativas de valorização, de remuneração, de melhores condições do exercício profissional para os médicos. e que tenham iniciativas de suporte, por exemplo, através do tele saúde, pelo qual os profissionais que estejam em uma determinada localidade possam apoiar os profissionais que estejam em localidades mais remotas ou distantes. Então, a Escola de Saúde Pública, por exemplo, ao interiorizar a residência, tem buscado uma maior equidade na distribuição dos médicos. Somam-se a isso iniciativas de formação, de suporte, de melhor remuneração. São pontos importantes para viabilizar que haja uma distribuição de médicos suficientes para atender as necessidades do Sistema Único de Saúde.

 

O sr foi um dos criadores do programa “Mais Médicos” do Ministério da Saúde, em 2013. Quase 10 anos depois, o que o sr pode apontar de avanços e dificuldades do programa?

O programa Mais Médicos se propôs em atuar em três frentes. Uma das frentes era da melhoria da infraestrutura das unidades de saúde da família. Nos dois primeiros anos do programa, de fato, houve um investimento importante, que levou à reforma ou ampliação ou construção de mais de 20 mil unidades básicas de saúde no país. A segunda frente, que diz respeito à questão da formação médica, mais voltada à atenção primária à saúde, conseguiu publicar novas diretrizes curriculares, conseguiu trabalhar com a ideia de ampliação de vagas de medicina em regiões de maior necessidade, vinculada a um critério de localidades que não contavam com essa formação antes e que precisavam ter uma rede de saúde capaz de qualificar a formação destes profissionais médicos. A terceira frente, que acabou sendo mais conhecida e mais debatida nacionalmente, foi a de provimento emergencial de médicos, que garantiu a distribuição de 18.240 médicos em 4.058 municípios. De avanços que o programa pode representar, já falei um pouco das melhorias das unidades básicas de saúde; na formação, garantiu a ampliação de vagas de residência medica e este é um ponto fundamental para formar mais especialistas e possibilitar que os egressos dos cursos de medicina tivessem vagas disponíveis para cursar a residência médica e, com isso, pela primeira vez, ter um predomínio de vagas de medicina no interior do que nas capitais. No campo do provimento emergencial conseguiu, efetivamente, e tem boas pesquisas demonstrando isso, que diminuiu a mortalidade infantil por efeitos diretos do programa e também conseguiu diminuir as internações por causas evitáveis na atenção primária à saúde. Então, aquelas situações que chegam no hospital e poderiam ser manejadas na atenção primária, efetivamente o programa conseguiu repercutir nessas ações. Eu acho que como dificuldades, uma das questões diz respeito a esta ideia de provimento emergencial. Tinha uma temporalidade para isso e o que a gente viu é que foi se prorrogando dentro de programa, por isso faltava uma substituição por mecanismos, com mais longa duração de vinculação de médicos, além de uma desregulação que houve no programa a partir de 2017, do ponto de vista de vagas de medicina. Foram criadas um número de vagas de graduação de medicina superior ao que o programa se propunha. Inclusive, a partir de 2017 foram autorizadas vagas de graduação em medicina em localidades que já tinham essa formação e, portanto, não estavam previstas dentro do programa. Foram duas dificuldades que dizem respeito ao amadurecimento de uma política pública. O programa foi bem exitoso em aumentar as vagas de residência, em melhorar a estrutura de unidades básicas de saúde nas localidades onde isso foi demandado e efetivado, diminuir a mortalidade infantil e internações por causas sensíveis à atenção primária à saúde.

 

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