Flávio Asevêdo e Marcelo Rodrigo No mês de dezembro, a população paraibana ficou chocada com o caso de um bebê que foi degolado durante o parto, em Campina Grande. Na última semana, uma psicóloga morreu em João Pessoa após uma cirurgia de lipoaspiração. Entre as duas histórias, algo em comum: a dor das famílias e a suspeita de erro médico. Enquanto o Conselho Regional de Medicina (CRM-PB) apura os casos, os dois médicos continuam atendendo normalmente. Os casos reacendem a questão do erro médico e colocam em xeque a qualidade do atendimento médico prestado na Paraíba. O CRM apura uma média de até 90 suspeitas de erro por ano e interditou, no ano passado, um hospital e dois PSFs em virtude da falta de condições estruturais e de equipamentos para o atendimento dos pacientes. Todo mês, oito novas denúncias chegam ao CRM. De acordo com o presidente regional do conselho, João Gonçalves Medeiros, nenhuma sindicância aberta para apurar erros médicos, resultou na cassação dos profissionais, até hoje, na Paraíba. “Isso não significa que haja corporativismo. Existem maus médicos como existem maus padres, maus políticos. Mas os casos investigados mostraram que não havia indícios de erro. Em raras ocasiões, há alguma indicação de imperícia ou imprudência”, disse. Para estes casos mínimos, o julgamento pode resultar em cinco possibilidades de penalidade: advertência em local reservado; censura em local reservado; censura pública; suspensão do exercício da profissão por 30 dias ou cassação do registro profissional. A promotora da Saúde do ministério Público Estadual, Maria das Graças de Azevedo Santos, afirmou que para as pessoas comuns, é difícil entender o que é um erro médico, e por isso, indica que a promotoria seja procurada logo que haja uma desconfiança de que houve erro ou qualquer outro problema em algum procedimento médico. Sobre os dois casos mais recentes, relatados acima, o presidente do CRM-PB, João Gonçalves Medeiros, afirmou que uma sindicância para apurar se houve alguma negligência no ato médico foi aberta, apesar de as famílias não terem procurado o conselho. “Quando tomamos conhecimento de algum caso, seja através da promotoria, delegacia, família, ou mesmo por ter se tornado público, pela imprensa, nosso dever é investigar”, concluiu. A reportagem tentou descobrir o número de processos referentes à erros médicos, mas o Sistema Integrado de Comarcas Informatizadas (Siscom), do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, não tinha as informações. A equipe foi informada que apenas dados sobre indenizações poderiam ser adquiridos, ainda assim, de forma generalizada e não apenas relacionadas à medicina. Promotora acha que corporativismo influencia Todas as denúncias feitas ao Conselho Regional de Medicina, resultam em uma sindicância segundo o presidente João Gonçalves Medeiros. Apesar disso, o número de comprovações de erros não chega nem aos 2%. “Na maioria dos casos, após a conclusão da apuração, percebe-se que não haviam indícios de erros. Mas para Maria das Graças de Azevedo Santos, da Promotoria da Saúde do Ministério Público Estadual, geralmente os casos são arquivados porque pode haver corporativismo entre os médicos, o que é negado por João Medeiros. “O CRM investiga tudo muito direitinho. Eles não se negam a apurar nada. O corporativismo não chega a este ponto. Mas geralmente os casos são arquivados”, disse Maria das Graças. Para João Gonçalves, existe uma diferença fundamental entre erro médico e mal resultado, mas como a medicina chama muita atenção, os casos são logo interpretados como erro. Ele disse que o erro é caracterizado basicamente por negligência, imperícia ou imprudência por parte do médico, enquanto que o mal resultado pode ocorrer em diversas situações e está previsível na literatura médica. “Há algumas cirurgias em que o risco é alto, como a bariátrica. Além disso, em um caso de câncer, por exemplo, o médico pode fazer todo o possível e ainda assim, o paciente morrer. O que não é culpa do médico, mas sim um mal resultado do tratamento”, disse. É esta diferenciação que, segundo João Gonçalves, deve ser considerada para evitar denúncias que não resultarão em punição do médico. Ele afirmou que outra possibilidade prevista no Código de Ética da Medicina, é a conciliação entre as duas partes. Paraíba tem hoje 4,7 mil médicos em exercício A Paraíba tem atualmente sete mil médicos inscritos no CRM, dos quais, 4.7 mil estão atuando no momento. Segundo o presidente do Conselho, João Medeiros, 2.914 (62%) deles estão em João Pessoa, outros 1.034 (22%) em Campina Grande e os restantes 752 (16%) estão espalhados pelos outros 221 municípios. No ano passado, o Hospital Josefa Bandeira, no município de Cachoeira dos Índios e os PSFs de Lagoa de Dentro de Jacaraú, foram interditados pelo CRM e Vigilância Sanitária, em virtude de más condições de trabalho e na estrutura dos prédios. “As condições oferecidas aos médicos podem contribuir para que sejam cometidos erros médicos. Em muitas cidades do Interior do Estado, há apenas um médico para todo tipo de atendimento, além disso, muitos hospitais não têm infraestrutura adequada, são mal aparelhados e faltam medicamentos”, disse. Os municípios com os principais problemas são, segundo João Medeiros, aqueles que têm até 15 mil habitantes. “O ensino também pode contribuir para o erro, já que de acordo com o previsto no código, tratam-se dos casos de imperícia. Mas a situação dos médicos é o principal motivo. É muito complicado ser um único médico, para trabalhar 24 horas por dia, atendendo todo tipo de problema e não ter nenhum erro”, disse. O chefe do setor de Fiscalização do CRM, Eurípedes Mendonça, afirmou que nos últimos dez anos, os 223 municípios paraibanos foram visitados, por uma comissão, para averiguar a situação deles. “O objetivo deste trabalho é proteger a população. A fiscalização vai além da parte médica e fiscalizamos o que é de competência da Vigilância Sanitária, do Corpo de Bombeiros e da Superintendência de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Sudema), já que observamos também se eles têm extintor de incêndio, se o lixo fica exposto e como são os banheiros e cozinhas”, disse. Para ele, o grande problema dos hospitais do Interior é a falta de recursos humanos mínimos e de laboratórios para dar diagnóstico. “Se estes hospitais tivessem laboratório de análises clínicas e laboratório de radiologia, evitaria que os pacientes migrassem para João Pessoa ou Campina Grande, onde os leitos acabam ficando superlotados”, disse Eurípedes. Segundo ele, 90% das doenças podem ser diagnosticadas apenas com os exames de sangue, urina e por radiografias, feitas nestes laboratórios. A boa notícia, segundo Eurípedes Mendonça, é que o Hospital de Cachoeira dos Índios está passando por uma reforma, onde está praticamente sendo reconstruído. “A cidade tem 11 mil habitantes e neste período de reforma, a população passou por sérios problemas porque tinha que se locomover para Cajazeiras, para ter atendimento médico, mas isso está sendo resolvido”, disse. Família de psicóloga acredita em fatalidade Na última segunda-feira, a psicóloga Conceição Maria Padilha, 31 nos, moradora da cidade de Juazeiro, na Bahia, que tinha vindo à João Pessoa, para fazer uma cirurgia de lipoaspiração, sofreu duas paradas cardíacas, durante o procedimento, no Hospital Samaritano, no bairro da Torre. Seu corpo foi enterrado na quarta-feira, no município de Pilão Arcado, no Interior da Bahia, onde seus pais moravam. De acordo como cunhado da vítima, Cristiano Francisco Gomes, a família não procurou o CRM para denunciar o médico e está aguardando o resultado dos exames, para confirmar a causa da morte dela. Apesar disso, torce para que o médico esteja certo e que tudo não tenha passado de uma fatalidade. “O médico disse que não houve erro e preferimos achar isso. Acreditamos que esses problemas ocorrem em cirurgias e os pacientes não resistem. Ela não tinha problemas de saúde, fez todos os exames necessários no pré-operatório e seguiu as recomendações de fazer pesquisas sobre os médicos. O doutor escolhido por ela foi o que teve melhores referências, inclusive de outros pacientes já atendidos por ele”, disse Cristiano. A reportagem tentou entrar em contato com o médico Laurence Cezar de Sousa, mas sua secretária informou que ele só se pronunciaria após o resultado dos exames. O presidente do CRM informou que Laurence já é médico há muito tempo e reconhecido pela qualidade do serviço prestado na medicina, mas que a sindicância irá apurar o que, de fato, aconteceu durante a cirurgia da psicóloga. Processo demora 3 anos Os processos apurados pelo CRM demoram até três anos para ser chegar a uma conclusão definitiva, segundo o presidente do conselho, João Gonçalves Medeiros. Ele afirmou que o processo é longo porque envolve uma grande investigação, na qual as partes chegam a ser ouvidas várias vezes, além de serem feitos exames periciais, para evitar que no julgamento, sejam cometidos erros contra o profissional. “Quando tomamos conhecimento de um caso suspeito de erro médico, o CRM abre uma sindicância ex-officio, com a nomeação de um conselheiro sindicante, designado para ouvir as partes envolvidas, para apurar e elaborar um relatório conclusivo, onde diz se detectou ou não, indícios de infração ética. O documento é apresentado na reunião da Câmara e se ela julgar que houve infração, é aberto um processo ético profissional”, explicou João Gonçalves. A partir daí, ele disse que todos são ouvidos novamente como ocorre na justiça comum, onde, ao final, é marcada uma sessão de julgamento. Em casos que requerem uma urgência maior como o caso daquele médico Roger Abdelmassih, que foi preso, em São Paulo, acusado de abusar de mais de 50 pacientes que queriam fazer inseminação artificial, ou em casos em que o médico oferece risco, o procedimento é feito com mais rapidez. Segundo João Medeiros, não houve ainda um caso assim na Paraíba. Professora critica fiscalização A professora e vice-diretora do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Tereza Tavares, acredita que não há uma relação direta entre os erros médicos e a qualidade do ensino ofertado pelas universidades paraibanas. Para ela, são os cursos de especialização, que se proliferaram em todo o país, que podem formar especialistas não capacitados para todo tipo de cirurgia. “Os cursos de medicina tem conceitos bons de avaliação, boas notas no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) e já são tradicionais. O que precisa ser feita é uma maior fiscalização da atividade médica”, disse. Tereza disse que os cursos de medicina são responsáveis pela formação do médico, mas que, para se especializar em alguma área, é preciso fazer uma especialização. “A fiscalização precisa ser mais atuante sobre a questão da especialidade médica. Saber se ela é feita em órgão reconhecido. À universidade, cabe a formação dele, mas após o término do curso, o conselho que precisa fiscalizar”, concluiu. A professora esteve à frente do desmembramento do curso de medicina do Departamento de Ciências da Saúde, em 2007, e afirmou que, com isso, o curso ganhou uma melhor estrutura, com a construção do bloco de medicina e professores qualificados com doutorado. “O Centro tem cinco departamentos: pediatria; ginecologia obstetrícia; medicina interna; promoção da saúde e cirurgia. A mudança deu ao curso a potencialidade que ele tinha antes da Reforma Cêntrica, na década de 1970”, falou. Família de bebê degolado culpa médico por tragédia Campina Grande – Um mês e quatro dias depois que seu filho morreu no parto, o agricultor Levi Deodato da Silva Gouveia, 35 anos, e sua esposa, Inês Farias dos Santos, 29 anos, ainda choram a perda da criança e acusam o médico de ter assassinado o bebê. Na casa da família, no Sítio Piancozinho, zona rural de Taperoá, ainda estão guardados o enxoval e a foto da ultra-sonografia do filho caçula. A delegada de Repressão aos Crimes Contra a Infância e a Juventude de Campina Grande, Cassandra Guimarães, é responsável pela investigação e disse que este foi o caso mais chocante que já registrou, principalmente pela falta de informações dos médicos a respeito do óbito da criança. Segundo ela, desde junho do ano passado foram registradas 12 denúncias de erro médico na delegacia. O médico acusado de ter cometido a degola da criança é José Herculano Marinho Irmão, que continua trabalhando normalmente no Hospital e Maternidade Elpídio de Almeida (Isea), em Campina. Contudo, o presidente do Conselho Regional de Medicina (CRM), João Gonçalves de Medeiros Filho, informou que, uma semana após o caso, foi aberta uma sindicância para investigar a atuação do médico. Além do CRM, o Ministério Público (MP) também está investigando o caso. A delegada Cassandra Guimarães disse que o ponto mais contraditório no caso é que a gestante Inês Farias dos Santos, de 29 anos, foi até a maternidade no dia anterior com encaminhamento de um médico do município de Taperoá e foi mandada de volta pra casa. Cassandra disse que está aguardando resposta do Instituto de Medicina Legal (IML) de João Pessoa sobre a exumação do corpo do bebê. Ela disse que o próximo que será ouvido será o médico Carlos Alberto Machado, que a encaminhou para Campina. “Coração estava batendo normal” Inês Farias contou que quando voltou ao Isea, no dia 13 de dezembro, sentindo dores, uma enfermeira fez a ausculta do batimento cardíaco do bebê, antes de levá-la à sala de parto. “O coração dele estava batendo normal. Só que, ao invés dele ter feito cesária, como já havia sido indicado no pré-natal, ele disse que seria normal. Eu ainda vi as pernas do meu filho mexendo antes dele amarrar uma fita amarela pra puxar e quando ele urinou no médico. Depois que ele tirou o corpo, me levaram pra outra sala e cortaram minha barriga pra tirar a cabeça do meu filho”, lembrou. Esse é um dos motivos que revoltam o pai da criança. “Se já estava tudo certo pra fazer a cirurgia, porque ele não fez? E se fizeram depois, porque não fizeram logo antes, pra tirar o menino?”, perguntou, indignado, o agricultor. Levi Deodato ficou emocionado ao lembrar de quando foi lavar o corpo de seu filho retirou a gaze que lhe escondia o pescoço. “Isso foi a coisa mais horrível que eu já vi e foi logo com o meu filho. Se eu tivesse condições eu seguia nesse processo até o fim”, disse, angustiado, o agricultor. O casal havia planejado o quarto filho, que seria o último, mas agora não quer mais gravidez. Inês Farias mostrou o enxoval que haviam preparado para o bebê e contou que só ficou sabendo o que havia se passado com o menino dois dias depois. CRM está apurando o caso O presidente do CRM, João Gonçalves de Medeiros Filho, esclareceu que o procedimento aplicado com a gestante de Taperoá é previsto pela medicina como “Cabeça Derradeira”, mas é, segundo ele, extremamente raro e quase inutilizado. “É usado somente em última instância para salvar a vida da mãe e só naqueles casos em que já está comprovado óbito do feto. Quando a criança já está saindo e fica com a cabeça presa e não houve dilatação suficiente”, disse. João Gonçalves disse que o CRM terá um mês para concluir a sindicância. “Eu tomei conhecimento do caso pela imprensa. Os pais do bebê não procuraram o CRM, mas, mesmo assim, abrimos a sindicância na semana seguinte. Tomamos como base o princípio da ampla defesa e do contraditório. Estamos aguardando dados da Polícia Civil e vamos ouvir algumas testemunhas para ter os detalhes”, disse o presidente. A administradora do Isea, Sara Rocha, disse que o médico continua trabalhando normalmente, realizando partos e assumindo plantões. “Não fizemos o afastamento até que o CRM se pronuncie. Até agora nada pesa contra ele. Está tudo sendo averiguado pelo MP. Só cumprimos o que o Ministério ou Conselho determina. Não recebemos nenhum comunicado oficial, por isso ele continua cumprindo a carga horária”, informou. 12 denúncias na Delegacia A delegada de Repressão aos Crimes Contra a Infância e a Juventude de Campina Grande, Cassandra Guimarães, contou que em pouco mais de seis meses foram registradas 12 denúncias de erros médicos envolvendo crianças ou adolescentes na cidade. Os casos abordam desde lesões a sequelas, como falta de ar, paralisia cerebral, fraturas em braços, pernas, mortes não explicadas e negligência. Menos de 50% das denúncias foram feitas por pessoas de municípios vizinhos. “Ainda estamos investigando as denúncias e não houve confirmação de nenhuma. No caso do menino que teve a cabeça degolada, estamos aguardando o Isea encaminhar uma lista com os nomes de todas as pessoas que participaram do atendimento da parturiente, como enfermeiras e atendentes. Mas até agora não recebemos a lista”, disse Cassandra. Ainda conforme a delegada, todos os dados que forem colhidos serão encaminhados para o CRM para embasar as sindicâncias que possam ser abertas para investigação dos casos. Ultrassonografia Conforme Levi Deodato, sua esposa entrou em trabalho de parto e procurou a maternidade no dia 12 para dar à luz mas foi mandada de volta para casa por não estar em trabalho de parto. No dia seguinte, Inês Farias continuava perdendo líquido e sentia dores e foi novamente levada à maternidade e foi atendida pelo o médico José Herculano, que realizou o parto normal. A ultrassonografia realizada em Taperoá mostra a criança sentada e a indicação de que o parto deveria ser uma cesariana. O agricultor acrescentou que sua esposa sofreu por horas na sala de parto e, ao sair, relatou que viu seu filho sendo puxado pelos pés. Quando acordou ela já estava em outra sala, operada, e lhe informaram apenas que seu filho havia sofrido uma parada cardiorrespiratória. O corpo foi entregue no dia 13, mas quando chegou em casa, Levi Deodato notou que a criança estava suja de sangue e com o pescoço enfaixado. Quando ele retirou a faixa para dar banho no filho antes de enterrá-lo, constatou que ele estava com a cabeça costurada na pele do pescoço. Caso seja confirmado o erro, o médico poderá responder até por homicídio culposo. A administradora do Isea, Sara Rocha, Inês Farias já teria chegado em trabalho de parto no dia 13 e a criança já estaria saindo entre as pernas da agricultora. Data: 17/01/2010 Seção: Cidades Veículo: Correio da Paraíba

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